Crítica

Atenção para o título: Os Três Mosquiteiros Trapalhões. Afinal, nele já começam as piadas. Pois veja bem, não se fala em “mosqueteiros”, ou seja, os valentes espadachins que defendiam o governo da França. O que temos em cena mesmo são três matadores de mosquitos, e que nem isso conseguem fazer bem. No entanto, quem imagina que a referência ao clássico de Alexandre Dumas é tão rasa assim, melhor pensar duas vezes. Apesar de seguir a fórmula básica tão explorada em longas anteriores do grupo, de pegar textos renomados e adaptá-los para as suas aventuras de sempre, o que se percebe nesse longa é algo um pouco mais elaborado, porém atendendo a anseios que vão além do mero entretenimento. E pode ser aí a fonte dos seus problemas.

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Assim como no livro original, não são os três mosquiteiros os protagonistas, e sim um colega em necessidade. Se antes este era o herói D’Artagnan, aqui ele é o próprio Didi Mocó, que agora atende pelo apelido de Zé Galinha. Ele vive de favor no galinheiro de uma mansão, propriedade do Dr. Luis (fazendo as vezes do Rei Luis XIII) e da Dona Ana (no lugar da Ana d’Áustria). Os negócios da família, no entanto, estão à perigo após uma série de decisões equivocadas, e tudo só poderá ser solucionado após um acordo financeiro com o malévolo Riche (citação do Cardeal Richelieu). Mas, obviamente, as coisas não serão tão simples.

Acontece que Riche deseja se casar com a filha do casal (Silvia Salgado, de O Cinderelo Trapalhão, 1979), que por sua vez namora às escondidas um pobretão (Pedro Aguinaga, na época em alta após ter sido eleito em um concurso de televisão ‘o homem mais bonito do Brasil’). Para ajudá-lo, ela lhe empresta um colar de esmeraldas da mãe, para que ele possa penhorá-lo e, com o dinheiro, dar início a um negócio. Ao saber disso, o vilão impõe uma condição para o fechamento do negócio: só assinará o contrato se, na ocasião, a dona da casa estiver usando a tal jóia! E ao assumirem a missão de resgatá-lo é que os três mosquiteiros – Dedé, Mussum e Zacarias – precisarão recorrer à ajuda de Zé Galinha, partindo os quatro em busca das pedras preciosas.

Os Três Mosquiteiros Trapalhões é um filme de 1980, época em que a Ditadura Militar começava a dar sinais cada vez mais evidentes de esgotamento. Um destes motivos era o caos no sistema nacional de transportes, pois com o estímulo à indústria rodoviária e com a entrada das empresas automobilísticas por aqui, cada vez se compravam mais carros. Porém não foi feito um estudo por parte do governo, e a gasolina começava a faltar por todo o país. Quem viveu aqueles anos lembra bem da Crise do Petróleo e de campanhas como a da entrada dos automóveis movidos à álcool no Brasil. Para acalmar os ânimos e divulgar as coisas boas que temos à nossa disposição, a Embratur surge como principal patrocinadora do filme, não só para alertar a difícil situação daquele momento, como também para alardear pontos turísticos nacionais.

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Dessa forma, é assim que Os Três Mosquiteiros Trapalhões merece ser visto hoje em dia: como uma legítima peça de propaganda institucional do governo. Há pouco – ou quase nenhum, melhor dizendo – espaço individual para cada um dos trapalhões, e mesmo Didi, que costumava ter maior destaque, não assume uma posição de legítimo protagonista. Ao invés disso, temos audiovisuais sobre São Paulo, Rio de Janeiro, Foz do Iguaçu e até mesmo Manaus, ressaltando estereótipos e vendendo verdades idealizadas. De resto, o final feliz inevitável chega no momento certo, desprovido de qualquer tipo de surpresas, tanto para o bem quanto para o mal.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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