Crítica

A cineasta Rebecca Daly criou uma atmosfera densa e lúgubre em seu ótimo longa de estreia, O Outro Lado do Sono, exibido no IX Fantaspoa. Ao unir sonambulismo e morte, o filme aborda a paranoia, o medo e a visão turva da realidade decorrentes da privação de sono.

Arlene (Antonia Campbell-Hughes) é uma operária padrão solitária, introspectiva, vivendo uma vida sem graça. Trabalha em uma tecelagem barulhenta, rodeada por pessoas desinteressantes, em uma cidadezinha irlandesa qualquer. Sonâmbula, acorda em locais estranhos sem saber como chegou lá. Com frequência, seu corpo apresenta arranhões e hematomas obtidos durante a jornada noturna.

Certa manhã, Arlene desperta em uma floresta ao lado do corpo de outra menina. Não faz ideia do que aconteceu. Quando a notícia da morte da garota é noticiada, todos querem saber quem cometeu o crime e se, por acaso, seu ex-namorado que acaba de voltar para a cidade, e por quem Arlene nutre sentimentos, tem algum envolvimento com o assassinato.

O fato deixa a protagonista obcecada. Se ela não lembra o que ocorre durante seu sono, como pode ter certeza de que ela mesma não é culpada pela morte da vítima? Além disso, o caso lembra o assassinato da própria mãe, ocorrido quando ela era uma criança, desestabilizando-a ainda mais. Porém, o filme não trata sobre a investigação do crime, mas sim a forma como Arlene tenta enfrentar seus próprios dramas pessoais a partir de um crime sobre o qual pode ter alguma responsabilidade.

Com o tempo, os problemas de sono de Arlene aumentam. Para tentar evitar novas situações bizarras, tranca a porta do apartamento com armários à noite. Também evita ao máximo dormir, o que prejudica sua percepção de realidade, criando zonas cinzentas de sonambulismo, sono e insônia.

A atuação da atriz, cheia de silêncios, paralisias e olhares vagos amplia ainda mais o enigma que toma conta da vida de Arlene. Ficamos intrigados com o que, afinal de contas, está se passando com a garota. O filme torna-se mais denso do meio para o final, acompanhando o crescente descompasso emocional da personagem.

Rebecca Daly apresenta um longa de estreia poderoso, existencial, que vasculha os espaços mais sombrios de uma alma ferida, e que tem na atriz Antonia Campbell-Hughes um de seus trunfos. Outro ponto forte no filme é o design de som, no qual ruídos e trilhas incidentais ajudam a compor personagens, emolduram sensações e ajudam a transpor cenas de forma inteligente.

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Pena que a parte inicial (e essencial) do longa foi prejudicada por um problema de interferência sonora na Sala Paulo Amorim da Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ), uma das sedes do IX Fantaspoa, em Porto Alegre. Pior: a projeção não foi reiniciada após terem resolvido o problema. No geral, o som está muito baixo em todas as salas de cinema da CCMQ.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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