Crítica

O maior desafio que O.C. e Stiggs apresenta ao espectador é o de entender qual foi a intenção de Robert Altman ao realizar esse filme. Ao longo das dolorosas duas horas de projeção, não fica claro se é uma tentativa frustrada de criar uma comédia adolescente nos moldes de Porky's (1981) ou O Clube dos Cafajestes (1978) ou se é uma sátira malsucedida de filmes como os mencionados. Há momentos divertidos, mas nada a que o espectador possa se agarrar: nenhum personagem nem vagamente interessante e nenhum elemento capaz de fazer a audiência se importar com a história sendo contada.

O.C. and Stiggs (1985) Directed by Robert Altman Shown from left: Daniel Jenkins, Neill Barry

Um dos trabalhos mais obscuros de Altman, O.C. e Stiggs acompanha dois adolescentes, O.C. (Daniel Jenkins) e Stiggs (Neil Barry), que dedicam suas vidas à tarefa de infernizar a família de Randall Schwab (Paul Dooley), dono de uma empresa de seguros que prejudicou o avô de O.C. Além de inventar diversas pegadinhas para atormentar a família Schwab, os dois compram (de uma vendedora assassina) um carro que parece ter saído de uma cópia low-budget de Mad Max, viajam boiando até o México e convencem o músico King Sunny Adé (também responsável pela trilha sonora) a fazer um show na cidade natal dos rapazes.

Além da aura de sarcasmo que envolve os protagonistas, não há mais nenhuma característica que os defina. É praticamente impossível saber qual dos meninos é O.C. e qual é Stiggs, já que nenhum dos dois carrega qualquer traço de personalidade. Altman parece querer arrancar alguma empatia da audiência apenas pelo contraste dos "heróis" com os alvos de suas pegadinhas, os personagens caricatos da família Schwab. O patriarca só se importa com dinheiro e é horrivelmente racista: além de disparar várias ofensas ao genro de descendência asiática, quase infarta ao descobrir um homem negro em sua sala de estar. Sua esposa, Elinore (Jane Curtin) é uma alcoólatra que inventa inúmeras maneiras de esconder as bebidas que o marido veementemente proíbe. A filha (Laura Urstein) é mimada e fútil, enquanto seu irmão Randall Jr. (John Cryer) é um completo imbecil, mas talvez o membro menos desagradável da família.

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A família Schwab incorpora, é claro, uma crítica à hipocrisia, artificialidade e futilidade da classe média. Ao colocar os protagonistas como inimigos dessa gente odiosa, parece bem nítido o lado do qual o filme espera que o público fique. Em um extremo há Randall Schwab, alguém com uma clara aversão a pessoas negras (e o continente africano como um todo, aparentemente) e no outro, os personagens-título, fãs de um músico nigeriano e amigos de um morador de rua negro. O problema é que mesmo os protagonistas parecem péssimos aos olhos da audiência. As pegadinhas que envolvem Randall Jr. são frequentemente cruéis – o rapaz pode não ser dos mais inteligentes, mas é inofensivo – a homossexualidade de dois personagens por si só parece hilária aos jovens e, em dado momento da narrativa, a dupla se refere às moças que os acompanham como simplesmente “vadias”. É claro, o filme foi feito em 1983, era de se esperar que o humor não tivesse envelhecido bem. De qualquer maneira, a impressão que a narrativa passa é a de que O.C. e Stiggs não são "justiceiros". São bullies.

Entretanto, o perpétuo sarcasmo dos dois oferece algumas boas tiradas e, entre as dezenas de personagens secundários, há alguns que se destacam. Um exemplo é o avô de O.C. (Ray Walston), um policial aposentado que insiste em contar as histórias macabras de sua época na polícia, mesmo que nenhum dos presentes esteja interessado em ouvir. Há também uma participação de Dennis Hopper como um veterano do Vietnã, o que evidentemente garante uma série de referências a Apocalypse Now (1979).

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Infelizmente, esses bons momentos são incapazes de segurar a atenção do espectador. A experiência de assistir a O.C. e Stiggs é extremamente cansativa, tanto pela falta de carisma ou desenvolvimento de qualquer um dos personagens quanto pelo ritmo arrastado. O roteiro parece mais uma série de aventuras excêntricas da dupla de amigos do que uma história com começo, meio e fim. As loucuras dos protagonistas culminam num clímax que beira o surreal, mas nesse ponto a audiência já perdeu completamente o interesse. Pouco importa se a intenção de Altman era fazer uma sátira, uma comédia a sério ou intencionalmente ruim: o resultado é o mesmo.

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cursa Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e é editora do blog Cine Brasil.
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