Crítica

Até para os fãs mais ardorosos dos Beatles, o nome de Freda Kelly pode não significar muita coisa. Algo que deve mudar após o lançamento do documentário Nossa Querida Freda – A Secretária dos Beatles, filme que coloca luz em uma personagem desconhecida, praticamente invisível para o fandom de John, Paul, George e Ringo. Curiosamente, esta invisibilidade foi vontade da própria Freda, uma mulher discreta por natureza, atenciosa e, como outras milhares de pessoas, fã incondicional do quarteto de Liverpool.

Documentários sobre os Beatles existem dezenas, mas é difícil encontrar algum que conte algo que não seja de conhecimento universal. A série Anthology, lançada em 1995, contando com entrevistas com os três membros remanescentes da banda à época e tantas outras figuras importantes da trajetória beatle tornou-se material de referência para qualquer um que deseja conhecer mais da história do grupo. Por focar em um personagem que não é mencionado na série, Nossa Querida Freda ganha pontos pelo desconhecido, provando que ainda é possível cavar assuntos interessantes e relativamente inéditos a respeito de uma banda criada há mais de 50 anos e que tanto foi escrutinada com o passar do tempo.

Dirigido por Ryan White, Nossa Querida Freda inicia com uma das tradicionais mensagens natalinas dos Beatles. Todos os anos, o quarteto se juntava para gravar um agradecimento aos fãs, e nesta mensagem em especial, o nome de Freda Kelly é citado. Mas quem é essa garota? Como o subtítulo nacional entrega, Kelly foi secretária do quarteto entre 1960 e 1971. Ou seja, um pouco antes da fama e um tanto depois do término da banda. Freda era uma adolescente de apenas 17 anos quando foi contratada por Brian Epstein, empresário dos Beatles, para ser sua secretária e cuidar dos assuntos que envolviam o grupo. Acabou virando presidente do fã-clube oficial e respondia às cartas endereçadas a John, Paul, George e Ringo, além de correr atrás dos músicos por autógrafos para serem enviados aos fãs.

Afora o testemunho de Freda, que pela primeira vez fala sobre seu passado, Ryan White entrevista outros nomes que testemunharam aquela história. Nomes como Tony Barrow, assessor de imprensa do quarteto; Billy Kinsley, músico dos Merseybeats; Billy Hatton, cantor e baixista do grupo The Fourmost; Infelizmente, a ausência de Paul McCartney e Ringo Starr retira um pouco do brilho do documentário, ainda que o baterista dos Beatles surja como “extra” ao gravar um rápido testemunho, exibido durante os créditos finais.

“Quem vai se interessar em ouvir a história de uma secretária?” É o que Freda Kelly pergunta logo no início do documentário, demonstrando sua indefectível humildade e timidez. Ela se engana ao pensar que ninguém iria querer ouvir suas memórias. Tendo contato próximo a John, George, Paul e Ringo, Freda foi a testemunha ocular de momentos íntimos do grupo. Ela conta um pouco das características e de como era sua relação com cada um dos músicos. Não espere, no entanto, revelações bombásticas. Discreta como uma boa britânica, Freda Kelly se reserva o direito de não comentar alguns pontos mais sensíveis – como, por exemplo, se alguma vez já havia saído com algum dos Beatles.

O filme vai costurando os depoimentos com imagens da época e, como não poderia deixar de ser, tem na trilha sonora um dos seus pontos altos. É difícil uma produção independente conseguir os direitos das canções dos Beatles – caríssimas – e Ryan White pode utilizar quatro músicas originais do quarteto: Love me Do, I Saw her Standing There, I Feel Fine e I Will. Como os Beatles regravaram vários clássicos no começo da carreira, a solução encontrada pelos realizadores foi usar muitas versões originais. Portanto, espere ouvir Isley Brothers, Arthur Alexander, Buddy Holly, Carl Perkins, Little Richards entre muitos outros.

Inédito no circuito nacional, tendo sido exibido apenas durante o Festival do Rio 2013, Nossa Querida Freda foi disponibilizado ao público pelo Netflix com o seu título original Good Ol’ Freda. Uma boa chance para os fãs do quarteto de Liverpool descobrirem uma história escondida sobre um personagem que viveu aqueles dias malucos da beatlemania. O documentário peca apenas pelo final abrupto, pulando etapas e deixando pouco espaço para o encerramento das atividades dos Beatles como grupo. Uma derrapada feia em um filme tão simpático quanto sua retratada.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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