Crítica


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Sinopse

Em um futuro não muito distante, duas irmãs adolescentes vivem em uma antiga floresta para sobreviver a uma enorme queda de energia que ocorreu em todo o continente. Mas ao descobrir que o mundo a sua volta está perto do seu fim, elas terão de de lutar contra intrusos, doenças, solidão e fome.

Crítica

No Escuro da Floresta não apresenta a mais criativa das tramas, não desenvolve nenhum grande conflito (na verdade, eles mal existem) e nem mesmo tem um momento que seja marcante. Se repensado de maneira superficial, pode-se dizer inclusive que o filme sai do nada e chega a lugar algum. O motivo pelo qual, portanto, a narrativa provoca tensão e desconforto do início ao fim, levando o espectador a aguardar por uma tragédia a qualquer instante, é mais facilmente compreendido se observado que estamos falando de um longa-metragem escrito, dirigido e protagonizado por mulheres.

Mais exatamente Nell (Ellen Page) e Eva (Evan Rachel Wood), duas irmãs que se veem sozinhas na casa em que cresceram, no meio das montanhas, a milhas da cidadezinha mais próxima. Apesar do isolamento, ambas têm uma vida permeada de amores, aspirações e tecnologia. Isso até que, certo dia e de repente, a energia acaba e jamais retorna. Conforme o tempo passa, descobrem que isso aconteceu, no mínimo, em todo o país, e provavelmente no mundo inteiro. Sem supervisão do governo e de nenhum sistema de qualquer tipo, a sociedade começa a dar indícios de voltar à selvageria. Entretanto, a dupla está muito bem escondida na floresta, e, aos poucos, aprende como sobreviver na natureza sem eletricidade.

E aqui, portanto, faz diferença a visão de uma mulher no comando do projeto. Adaptando o livro de Jean Hegland, Patricia Rozema sugere uma ameaça constante sobre as irmãs. Pois, depois de estabelecer um mundo povoado por homens que são facilmente corrompidos pela falta de vigilância, a cineasta se aproveita muitíssimo bem da casa ampla, porém, de estrutura visivelmente frágil, onde as duas habitam. Composto por paredes inteiramente de vidro, o lugar é recorrentemente enfocado por Rozema de fora para dentro, descortinando os alvos fáceis e expostos que Nell e Eva são ali dentro. Além disso, quando dentro da casa, a diretora prefere enquadrá-las com planos abertos que tem como um fundo desfocado as vidraças e o terreno em torno, como se a qualquer instante algum elemento fosse ser inserido no segundo plano.

Assim, quando de fato um homem surge na trama, por mais amigável que seja, sua presença impõe um suspense angustiante sobre o destino das jovens – tanto por ser uma potencial ameaça física quanto moral. E, ao ser contrariado por uma delas, o espectador fica, com razão, na ponta da cadeira esperando que ele finalmente reaja com autoridade e até violência. Em última análise, o que Rozema faz é transferir para a audiência o medo incessante com que mulheres convivem todos os dias – não só de ser atacada por um agressor, mas também de ser coagida ou ter sua voz sufocada pela presença masculina.

Não que Page e Wood construam tipos frágeis ou submissos. Pelo contrário, Nell e Eva são, cada uma a seu próprio modo, pessoas fortes e determinadas, com personalidades muito próprias e desejos singulares. Suas diferenças, inclusive, são usadas por Rozema para que as atrizes conquistem uma interação orgânica, e principalmente Evan Rachel Wood magnetiza através da intensidade emocional de Eva, que ainda assim se mostra a mais delicada das irmãs. Aliás, é ainda mais flagrante que Rozema consiga nos fazer temer tanto pelas duas, ainda que sejam construídas como personagens independentes, denunciando que, no fundo, sabemos a que perigos e falácias as mulheres estão submetidas na nossa sociedade contemporânea.

Um sentimento corroborado pela trilha de Max Richter, que basicamente repete a ideia por trás da sua belíssima faixa On The Nature of Daylight, usada na abertura de A Chegada (2016), e pontua aquele universo com uma melancolia inexpugnável e tão densa quanto a floresta que cerca as protagonistas. É verdade que o longa não representa uma profunda reflexão e que nem mesmo entrega um roteiro inventivo, mas, é inegável que carregue consigo um tom firme e incomodativo, que propõe ao espectador uma posição que somente uma mulher poderia infundir com tamanha propriedade.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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