Crítica

Eduardo Coutinho é um dos maiores cineastas brasileiros da atualidade. Apesar de dirigir documentários há mais de 20 anos, ele transcende qualquer definição. Já trabalhou na televisão (esteve à frente de programas como o Globo Repórter, da Rede Globo, que comandou por anos) e foi premiado em praticamente todos os festivais que importam no meio cinematográfico nacional, desde Gramado, Recife, São Paulo, Brasília, Grande Prêmio Cinema Brasil e até em Berlim (Alemanha). E como fez de tudo, sua natureza inquieta o leva constantemente a procurar algo novo. O problema é que não basta vontade, é preciso às vezes um material que justifique um maior interesse. Mesmo para alguém com uma visão tão especial quanto Coutinho.

Essa carência de um tema pulsante, cujo produto acaba sendo valorizado graças apenas ao olhar diferenciado do realizador, se evidencia bem em O Fim e o Princípio. Trata-se de uma aposta arriscada, cujas filmagens foram realizadas em apenas quatro semanas e visavam atender basicamente a um anseio do cineasta, que foi ao nada procurar algo a ser dito. Coutinho simplesmente abriu um mapa, e com os olhos fechados apontou para um lugar ao léu. Resultado: ele e sua equipe de mandaram para o sertão paraibano, mais precisamente para a vila de São João do Rio do Peixe, e lá resolveram ouvir o que os moradores tinham a dizer sobre a vida. Sem mais nem menos. Não havia uma agenda preparada, uma produção cuidando dos detalhes, uma pesquisa prévia. O importante era ouvir.

E foi exatamente isso que aconteceu. Em O Fim e o Princípio, temos um painel bem amplo, porém nada específico. Graças à ajuda de uma jovem da comunidade, eles começam a entrevistar algumas das figuras mais pitorescas dentre os 86 habitantes do local, que deixaram registrados na tela suas impressões sobre a velhice, o passado, o futuro, esperanças e tristezas. Como a maioria dos depoimentos são de idosos – os jovens foram embora há muito tempo em busca de melhores oportunidades – o que vemos é um conjunto pouco disforme sobre temas universais, como religião, amor, família e honra. Assim como o título já aponta, há muito das impressões iniciais, quando os sonhos era altos, e da realidade atual, quando a conformidade veio para tomar o lugar da frustração. Da proximidade do fim para uma retomada sobre como tudo teria começado.

O maior problema de O Fim e o Princípio é também seu maior mérito: a falta de uma base melhor estruturada que aproxime a obra do espectador. É impossível não se identificar com alguns dos personagens enfocados, da mesma forma que estes podem parecer muito distantes e distintos, como se fizessem parte de um mundo particular, que possui um significado relevante, oferecendo uma oportunidade de análise distanciada, porém vazia de análise mais profundas. Na ânsia por um norte, passa-se por muito, sem fixar-se em um ponto único. No final o que se têm é um retrato curioso e dispensável, desprovido do carisma de um Edifício Master (2002), da polêmica de um Cabra Marcado Para Morrer (1985) ou da transcendência de um Santo Forte (2002). A única pedra no sapato de Coutinho é o próprio Coutinho, tudo o que é e o que já fez. E desta vez ele ficou aquém de suas possibilidades.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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