Crítica

Nada é de graça neste mundo. E Simon, o “garoto de cima” do título original (L'enfant d'en Haut) de Minha Irmã, leva à risca esta premissa para poder seguir sua vida no segundo longa-metragem de ficção escrito e dirigido por Ursula Meier. Mais uma vez a cineasta utiliza o cotidiano das relações familiares para dissecar a personalidade de seus personagens perante o público, o que ela já havia feito com êxito em Home – Lar Doce Lar (2008).

Kacey Mottet Klein, que também participou do filme anterior da realizadora, dá vida à Simon, um garoto de doze anos que tem um esconderijo em uma estação de esqui, onde realiza pequenos golpes e furtos para conseguir dinheiro e poder sobreviver. Sua real moradia é um apartamento ao lado do local turístico, onde vive sua irmã Louise (a bela Léa Seydoux, de Meia-Noite em Paris, 2011). Desempregada, ela se mantém com pequenos bicos, além de ter uma relação peculiar com o irmão.

É neste cenário, uma Suíça gélida e repleta de ambientes abertos, que a cineasta conta este pequeno e rico conto de dívidas e cobranças. Um paralelo com a situação financeira da Europa, com certeza, com todos os seus desempregados que, diariamente, precisar buscar novas alternativas para sobreviver. Afinal, é isto o que os personagens de Minha Irmã fazem: eles não vivem suas vidas, apenas estão à procura de melhorar suas condições materiais, sem se preocupar, aparentemente, com o que acontece internamente.

As gélidas paisagens em larga escala contrastam com a frieza constante dos personagens, que não são vitimizados por serem pobres, assim como os turistas de classe média alta que frequentam a estação de esqui não são demonizados. Entre estes visitantes temos a sumida e ainda estonteante Agente Scully, quer dizer, Gillian Anderson (da série Arquivo X, 1993), em um belo papel que, metaforicamente, substitui a figura materna perdida de Simon.

Em uma determinada cena, o esconderijo do garoto é descoberto por um cozinheiro da estação (Martin Compston), a quem Simon conta sua história. Momento em que o longa poderia cair no mais absoluto clichê da vítima das circunstâncias. Porém, o roteiro dá cabo de transformar esta pequena revelação (para outro personagem, não ao público) no retrato de um rapaz maduro precocemente e que sabe como se virar sozinho sem precisar que os outros o achem um coitado. Tanto que, em vez de pedir dinheiro sem nada em troca, Simon quer pagamento pelo equipamento de esqui confiscado (um dos tantos que ele encontra em suas andanças pela estação e acaba servindo como principal mercadoria de seu “comércio”).

Em outro momento, após uma briga, Simon oferece dinheiro para a irmã em troca de um abraço, o que Louise prontamente aceita. É uma relação permeada de cobranças e que um segredo revelado ao longo do filme faz questão de ressaltar o porquê de acontecer desta maneira. Dentro de casa, em planos fechados que salientam a miudeza daquele microcosmo, Simon enlouquece, sente-se preso. É na neve e seus planos abertos, na sua rotina de pegar o teleférico para poder emergir de classe (mesmo que figurativamente) que o garoto se liberta da tensão de sua pobreza, não apenas social, mas também sentimental.

Muito além de um retrato sociológico de uma Europa em crise ou de uma relação familiar desgastada, Minha Irmã se preocupa, principalmente, em traçar um perfil de um garoto que, sem ter com quem contar, acaba renegando seus sentimentos e os materializa na forma do lucro – mesmo que ele pareça inexistente.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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