Crítica

Lançado em 1937, Marujo Intrépido pode não ser tão badalado nos dias de hoje como O Mágico de Oz ou ...E O Vento Levou, trabalhos reverenciados como clássicos e dirigidos por Victor Fleming em 1939. No entanto, o que falta em fama a Marujo Intrépido, sobraem emoção. Com uma belíssima atuação de Spencer Tracy (vencedor do Oscar de Melhor Ator em 1938) e uma comovente performance do ator mirim Freddie Bartholomew, o longa-metragem apresenta uma incrível transformação e uma história de amizade forjada em pleno mar bravio.

Com roteiro de John Lee Mahin, Marc Connelly e Dale Van Every, baseado no romance de Rudyard Kipling, Marujo Intrépido nos apresenta ao mimado e arrogante Harvey (Bartholomew), um menino de família rica que se aproveita de sua posição social para cobrar favores e humilhar seus colegas de aula. Quando uma de suas tramoias não dá certo e ele é pego pela diretoria da instituição em que estuda, seu pai, o magnata Frank Cheyne (Melvyn Douglas), percebe que é preciso dar mais atenção ao garoto. Os dois partem, então, para um cruzeiro, na tentativa de criar um laço mais forte entre pai e filho. No entanto, em meio a mais uma traquinagem de Harvey, o menino acaba caindo do navio, sendo resgatado pelo pescador Manuel (Tracy). A bordo do barco pesqueiro We’re Here, sem qualquer chance de contatar seu pai para buscá-lo, o mimado riquinho precisará trabalhar para garantir seu lugar na embarcação. Às rusgas de início, Harvey começa a aprender o real significado da responsabilidade e da amizade.

Indicado ao Oscar de Melhor Filme, Marujo Intrépido tem dois momentos distintos. O primeiro apresenta o menino protagonista e é o menos interessante de todo o longa-metragem. Ainda que seja necessário destacar as atitudes repreensíveis de Harvey, este primeiro ato demora muito para deslanchar – o que era normal no cinema daquela época, quando não tínhamos que saber do que o filme se tratava nos primeiros dez minutos. De qualquer forma, acompanhar o mimado Harvey e suas tramoias por meia hora é bastante desagradável – o que talvez seja explicável pela ótima atuação de Freddie Bartholomew, que precisa ser um tanto asqueroso para convencer. A história ganha em brilho quando Spencer Tracy aparece com seu cativante Manuel. Dono de um humor contagiante, o pescador serve como um padrinho para Harvey dentro do barco. Recebido com pouco entusiasmo pelos demais tripulantes do We’re Here, visto que não é de bom agouro carregar um visitante em barco pesqueiro, Manuel precisa ensinar a Harvey como trabalhar. E, assim, pouco a pouco, começa a surgir uma forte amizade entre aquelas duas pessoas tão diferentes.

É notável que Harvey nunca teve uma figura paterna presente, que lhe impusesse limites ou aplicasse castigos. Manuel acaba servindo como esse pai postiço, já que não tem nenhum pudor em mandar, xingar ou disciplinar aquela criança para que ela faça o que é necessário. Em um momento ímpar do longa-metragem, Manuel e Harvey precisam vencer uma aposta tola que o pescador fez com outro companheiro. O garoto não tem dúvidas e arranja uma forma desonesta para que eles vençam a disputa. Ao saber disso, Manuel não só paga a aposta para seu parceiro de barco como se mostra completamente insatisfeito com as atitudes de Harvey, cortando relações – de alguma forma, passando uma mensagem importante para aquele desorientado marujo.

O desfecho da história, ainda que emocionante, surge de forma abrupta, como se os roteiristas (ou o autor do romance) não conseguissem criar nada melhor para eliminar um dos personagens da trama. De qualquer forma, Marujo Intrépido é mais uma obra inesquecível de Victor Fleming, filmado em um belo preto e branco e convencendo o espectador que aqueles pescadores estão em pleno mar. Mais uma das artimanhas mágicas do cinema, visto que os atores nunca saíram do tanque construído no estúdio.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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