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Sinopse

Ao saber que seus melhores amigos estão se separando, Gabe e Judy começam a questionar a saúde do próprio relacionamento. Gabe pensa em flertar com uma de suas alunas para testar seus sentimentos.

Crítica

É particularmente interessante assistir a Maridos e Esposas atualmente. Talvez até mais do que foi na época em que o filme chegou aos cinemas, cerca de vinte anos atrás. Isso porque este foi o último dos trezes filmes dirigidos por Woody Allen e estrelados pela até então sua namorada Mia Farrow. E, principalmente, por abordar um tema que, como o mundo inteiro ficaria sabendo logo em seguida, refletia com incrível semelhança a vida íntima dos seus protagonistas. Se em determinada cena um personagem afirma que “a vida imita programas ruins de televisão” – uma das frases mais famosas do longa – na verdade o que estávamos prestes a descobrir – e hoje em dia com muito mais consciência do fato – é que, na verdade, “a vida de Woody Allen imita... os filmes de Woody Allen”.

Gabe (Allen) e Judy (Farrow) estão juntos há um tempo, sem filhos, cada um vindo de um relacionamento anterior. Ou seja, o típico casal intelectualizado nova-iorquino – ele é professor, ela trabalha numa revista de arte – e autossuficiente. Os conhecemos no momento em que esperam pelos amigos Jack (Sydney Pollack) e Sally (Judy Davis). Antes de saírem para jantar, no entanto, os convidados fazem uma anúncio: “vamos nos separar”. E falam assim, com simplicidade, quase como num alívio, porém sem ressentimentos nem más impressões. Gabe e, principalmente, Judy ficam chocados com a novidade, a ponto de quase darem início a uma feroz discussão. Mas aos poucos todos se acalmam – estamos, e nestas primeiras cenas tal diretriz se faz evidente, num tipo de filme em que a palavra tem muito mais força do que a imagem.

A partir desse momento passamos a acompanhar a rotina destes dois casais – quer dizer, daquele que permanece junto e parece procurar por todos os lados motivos para se separar, e o que terminou, mas busca nos mínimos detalhes razões que convençam a si próprios que merecem uma nova chance em conjunto. Woody e Mia, como é de praxe, convencem com eficiência também em cena, ainda mais quando passam o tempo todo discutindo uma eventual separação – o que, de fato, aconteceu na vida real dos dois pouco após o término das filmagens. Ele é verborrágico, consistente em suas observações e nervoso no trato, assim como ela, porém de um modo mais inseguro e incisivo. Enquanto ele começa a se envolver com uma de suas alunas (Juliette Lewis, recém saída da indicação ao Oscar por Cabo do Medo, 1991), ela se sente atraída por um colega de trabalho (Liam Neeson, um ano antes do estrelato proporcionado por A Lista de Schindler, 1993). Se a trama dele parece melhor desenvolvida – um homem mais velho se apaixonando por uma garota muitos anos mais jovem... a semelhança com a vida pessoal do autor se faz novamente – a dela parece supérflua, como se existisse apenas para ser um contrapeso no roteiro, e sua conclusão é tão apressada que beira o desnecessário.

Mas, felizmente, Maridos e Esposas é mais do que o foco Allen versus Farrow. Há uma outra dupla em cena, e é neles em que se concentram os melhores momentos do enredo, seja pela fina ironia dos acontecimentos como pelas excepcionais atuações dos seus intérpretes, em especial Davis, merecidamente indicada ao Oscar. Assim como tranquilamente decidem se separar, a vida de cada um se revela um inferno assim que passam a andar sozinhos. Ele se enamora de imediato por uma mulher mais jovem – a subversão do clichê – apenas para perceber, logo adiante, que é preciso muito mais do que um corpo em forma para manter um relacionamento. Ela, por outro lado, se entra em pânico ao ver o ex-marido tão rapidamente ‘partindo para outra’, logo descobre os prazeres de estar novamente solteira. E não será simples reatarem ao ponto em que estavam antes.

Indicado ao Oscar também na categoria de Melhor Roteiro Original, Maridos e Esposas funciona melhor hoje em dia como um retrato de um momento conturbado da vida de um dos maiores gênios do cinema norte-americano do que como um estudo sobre os relacionamentos no final do século XX. Não é um filme fácil, e até mesmo considerá-lo como parte do gênero ‘comédia’ pode ser um julgamento apressado. Há tanto em debate entre os personagens que é impossível não se identificar em uma ou outra passagem, principalmente nas que aludem às desilusões amorosas, ao desmantelamento de sonhos em comum e à necessidade que o ser humano possui de vencer a solidão para se sentir realizado. São verdades absolutas, é preciso concordar, mas nem sempre é prazeroso confrontá-las. Ainda mais quando o que perdura após tantos embates e confrontos é uma dor de cabeça difícil de ser superada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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