Crítica

Bebeto Alves é um músico que sempre ficou longe da acomodação. Passeando pelos mais variados estilos durante uma carreira que já se aproxima dos 40 anos, o músico pode ser apontado como um dos principais nomes do que chamamos popularmente de MPG, a Música Popular Gaúcha, ao lado de talentos como Nelson Coelho de Castro, Nei Lisboa, Kleiton e Kledir Ramil. Ainda que tenha feito sucesso no Rio Grande do Sul, a tentativa de alcançar plateias nacionais acabou não acontecendo como planejado. E a pergunta que fica é: por quê? Existe algum motivo para que os artistas gaúchos não consigam conquistar as grandes plateias em âmbito nacional? Esta investigação é feita pelos cineastas Rene Goya Filho e Alexandre Derlam no documentário Mais uma Canção, que costura a trajetória de Bebeto Alves com sua busca pela sonoridade que deu origem à música que ouvimos no Sul da América.

No longa-metragem, grandes nomes da música do Sul como Vitor Ramil, Humberto Gessinger, Nelson Coelho de Castro e Jimi Joe contam histórias sobre Bebeto Alves – quando não aparecem em dobradinhas musicais com o protagonista, nos melhores momentos do filme. Além destes nomes, outras figuras importantes na trajetória de Bebeto, como o produtor Carlos Alberto Sion e o executivo fonográfico André Midani também dão seus depoimentos. Passado o momento biográfico, Mais uma Canção se concentra numa viagem que Bebeto Alves faz à Península Ibérica, uma jornada que será riquíssima musicalmente para o compositor.

Ainda que tenha um jeitão de documentário convencional, com cabeças falantes e narrativa linear, Mais uma Canção escapa do mais do mesmo ao não colocar seu retratado em um pedestal. Seria fácil colar louros e mais louros em Bebeto, o pintando como um músico criativo e bem sucedido. O filme, no entanto, mostra a tentativa de Bebeto em alçar voos mais altos no resto do Brasil e falhando no intento. Nem o contrato com a gravadora Som Livre, uma das grandes da época, conseguiu colocar Bebeto Alves nas paradas de sucesso. Daí surge a pergunta que dá norte à primeira metade do documentário: porque os músicos do Sul não conseguem chegar ao topo das paradas no Brasil? Midani, um dos nomes mais importantes da indústria musical brasileira, acredita que Bebeto não ficou tempo suficiente no Rio de Janeiro para alçar sucesso. Outros já pensam que uma canção em alguma novela poderia ter feito Bebeto estourar. A pergunta fica sem resposta. E, no final das contas, não importa tanto. Quando Bebeto retorna, encontra uma cena no Rio Grande do Sul que abraça os músicos daqui. E isso faz toda a diferença.

Os melhores momentos do documentário são as dobradinhas entre Bebeto e amigos, como Humberto Gessinger, Vitor Ramil e outras participações fortuitas de músicos encontrados durante a viagem. Diferente do que usualmente se faz em filmes que se debruçam sobre um artista, quando Bebeto toca com seus amigos, não canta necessariamente suas canções. Com Gessinger, Ilex Paraguarienses. Com Ramil, Chimarrão. Ambas assinadas pelos convidados do doc, e não por Bebeto. Isso demonstra certo desprendimento do músico e vem bem ao encontro do seu discurso em destacar sua geração e não necessariamente sua carreira. Claro que músicas famosas da trajetória de Bebeto como Pegadas, Mais uma Canção, Flash, são apresentadas das mais diversas formas.

A segunda metade do documentário mais parece um segundo filme, tamanha a mudança de foco. O lado mais biográfico é abandonado para se embrenhar na jornada de Bebeto Alves em sua viagem. Pode soar estranho, mas este realinhamento narrativo acaba conversando muito bem com o músico em questão. Bebeto é conhecido por mudar seu estilo a seu bel prazer. Nada mais natural que o próprio filme faça essa guinada. Mesmo pensando desta forma, o “segundo filme”, mais solto, não é tão interessante quanto os depoimentos que acompanhamos na primeira metade.

Musicalmente rico, com ótima montagem e um trabalho de pesquisa bem realizado, Mais uma Canção é uma boa surpresa. Os diretores Rene Goya Filho e Alexandre Derlam conseguem trazer uma figura importante do cenário musical gaúcho à luz, sendo didáticos na medida e evitando o total chapa-branquismo de alguns filmes biográficos. Documentários musicais tem lugar cativo na mente das plateias e este tem tudo para encontrar seu lugar. Mas, igual à trajetória de Bebeto, as plateias acima do Mampituba podem não abraçar com tanto entusiasmo este documentário quanto o público do Sul.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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