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Sinopse

Quando a guerra em Panem se acentua, Katniss se vê obrigada a liderar um exército contra a Capital, centro de todo o poder autoritário do país, ao mesmo tempo em que tenta proteger seus entes mais queridos.

Crítica

Entre a aparente infindável febre de adaptações literárias direcionadas ao público jovem-adulto levadas ao cinema, os três primeiros exemplares de Jogos Vorazes (2012 – 2015) são líderes absolutos; em crítica e bilheteria, as aventuras distópicas de Katniss Everdeen contra o governo ditatorial de Panem são mais bem-sucedidas que os filmes do afamado bruxo Harry Potter (2001 – 2011), por exemplo. Para o lançamento do último capítulo da breve saga, que se estendeu por um volume a mais que na literatura, considerando o material prévio do livro e a promessa das peças em divulgação, a expectativa pelo mais epopeico fim era enorme. Ainda assim, não é exatamente o que oferece Jogos Vorazes: A Esperança – O Final (2015), e isso não é necessariamente algo ruim.

O encerramento da aventura dramática começa numa sequência que segue exatamente do ponto em que terminou o filme precedente, Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 (2014). Katniss está numa sala de recuperação (algo que ocorrerá pelo menos mais duas vezes até o desenrolar dos créditos finais) enquanto sofre pelos distúrbios psicológicos de Peeta e por sua condição física limitada para servir à guerra contra a Capital. Ainda assim, desobedecendo ordens – algo que ela sempre fez tão bem – a Vencedora do Distrito 12 se infiltra numa missão rebelde para derrubar o Distrito 2 e finalmente invadir o lar do tirano Presidente Snow.

Jogos Vorazes: A Esperança – O Final assume integralmente a carga dramática da obra de Collins e ignora passagens inteiras do livro, escritas como alívio à sua obscura e violenta narrativa. Considere, por exemplo, todo o intenso treinamento de Katniss e Johanna Mason (a ótima Jena Malone) para a batalha final alterado no filme pela fuga da primeira do Distrito 13. Enquanto esta e outras alterações foram pensadas para amplificar a dinâmica da história em tela, a hora inicial da produção é levemente comprometida pela construção climática do enredo, que torna o mesmo arrítmico e provavelmente cansativo para espectadores mais acostumados à ação ininterrupta. No entanto, tal escolha torna o filme mais importante e aprofundado em conteúdo, exaltando as críticas e inspirações históricas sobre autocracia, governos ditatoriais e fascistas e tantas outras batalhas sangrentas em guerras que ironicamente buscavam a paz – elementos centrais da série até então pouco explorados ou desenvolvidos.

Se o título da obra final de Suzanne Collins promete alguma esperança para as intenções pacificadoras e igualitárias de Katniss para Panem, não faltam detratores e obstáculos para frustrar seus objetivos. Estes são retratados sem muitos desvios ou qualquer leveza; a franquia Jogos Vorazes já foi acusada pelo seu excesso de violência e isso percorre justificadamente este filme, tornando-o até mesmo pouco indicado para seu público mais jovem ou sensível. Personagens perdem as pernas, são devorados por criaturas bizarras, afogados num mar negro e venenoso e até mesmo explodidos numa impactante sequência que tem como principais vítimas um grande grupo de crianças, momento do filme que mais carrega os ecos do que foi o Holocausto.

Nesta conclusão da franquia também fica ainda mais evidente a potencialidade do importante discurso feminista que ela carrega, seja a partir da própria Katniss – que em seu universo utópico é impulsionada e encorajada pelos homens que a cercam, e não diminuída – ou pelas figuras destacadas e poderosas da Presidente Alma Coin, Tenente Jackson, Comandante Lyme (Gwendoline Christie, infelizmente subaproveitada) e Comandante Paylor, esta última que finalmente tem uma pequena, porém importante participação no encerramento da história. Enquanto isso, os homens, sejam os interesses amorosos de Katniss, Peeta e Gale, seus aliados, Haymitch, Finnick e Boggs, e até mesmo o Presidente Snow, são retratados sem muita profundidade e personalidade, servindo meramente como meios e fins na busca da protagonista por justiça e igualdade contra a autocracia desumana onde vive.

A direção de Francis Lawrence, já escolada no universo que pretende representar após os dois filmes precursores, é assertiva ao dar a devida importância dramática a pequenos momentos de interação entre os personagens e o tom épico necessário para as sequências de ação. O cineasta parece particularmente inspirado no claustrofóbico segmento de suspense ambientado nos esgotos da Capital, onde os personagens percorrem longos e escuros corredores em fuga de uma ameaça iminente e ainda pouco conhecida, numa homenagem indireta e talvez acidental à Alien: O Oitavo Passageiro (1979). Seu único deslize aparece justamente quando coloca Katniss e Snow frente a frente, observados por uma multidão sedenta por vingança e pela ambígua Alma Coin, no que pretende ser o clímax do filme, mas que, arquitetado como foi, se torna rapidamente previsível até mesmo para o mais desatento espectador.

Como já comprovado anteriormente, o sucesso de Jogos Vorazes também se deve ao seu excepcional elenco. Até nos menores personagens a série recebe ótimas performances, impulsionadas pela oscarizada Jennifer Lawrence – que aqui se vale de todo o potencial dramático e traumático de Katniss – e pelo carismático e insuperável antagonista de Donald Sutherland, que, em gargalhadas tão vilanescas, chega a cuspir sangue e mais do que nunca parece realmente se divertir com seu irônico personagem. Se Liam Hemsworth é o elo fraco do obrigatório triângulo amoroso proposto pela franquia, Josh Hutcherson ganha maior destaque e evidencia que é um talento para se acompanhar de perto. Também são dignas de menções a figuração de luxo de Julianne Moore e a breve participação do finado Philip Seymour Hoffman, em dado momento reconstruído digitalmente, assim como da carismática Elizabeth Banks, que em suas improvisações cômicas durante a série já até se tornou meme (com o inesquecível “That it’s mohogany!” do primeiro filme).

Por fim, eis o término de uma das melhores e mais sérias sagas juvenis que deixa além de um interessante legado a abertura para possíveis capítulos futuros, já antecipados pelos produtores na intenção de criarem novos filmes sobre o primeiro dos jogos vorazes (nas produções existentes são retratadas a septuagésima terceira e a septuagésima quarta edições) e até mesmo a guerra que dividiu Panem entre Capital e demais distritos. De qualquer modo, Katniss Everdeen recebe um final digno de sua sombria história, maduro e repleto de cicatrizes como a própria. Seu heroísmo pode ter sido acidental, porém sua mira e coração sempre foram essencialmente certeiros e admiráveis.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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