João de Deus: O Silêncio é Uma Prece

14 ANOS 84 minutos
Direção:
Título original: João de Deus: O Silêncio é Uma Prece
Gênero: Documentário
Ano: 2018
País de origem: Brasil

Crítica

2.8

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Sinopse

A história do famoso médium João de Deus, desde sua infância humilde no interior de Goiás até o presente momento, quando incorpora médicos e parece ter adquirido poderes curativos. O documentário também relata a descoberta do dom paranormal e narra o bullying que o médium sofreu daqueles que duvidavam de sua sensibilidade.

Crítica

João de Deus: O Silêncio é Uma Prece se assemelha a um vídeo institucional, pois claramente obstinado a fazer o espectador acreditar na mediunidade de João, na importância de sua obra no interior de Goiás, na Casa Dom Inácio de Loyola. Inicialmente, o que atesta esse viés propagandístico é a sucessão de depoimentos que visa consolidar algo baseado na fé. Voluntários, homens e mulheres supostamente curados “garantem” a excepcionalidade de João Teixeira de Faria, não poupando elogios ao seu trabalho espiritual. A narração feita pela atriz Cissa Guimarães reforça a sensação de que o longa-metragem de Candé Salles existe com o intuito de vender uma ideia, menos de fazer realmente um apanhado da vida desse sujeito considerado santo na região, conhecido nos quatro cantos do Brasil, mais de cercar a percepção alheia de subsídios “irrefutáveis”. Aliás, o texto não demonstra, ele induz, se constituindo, basicamente, de vários pressupostos e sentenças.

A retórica de João de Deus: O Silêncio é Uma Prece advém de contínuos procedimentos que tentam sustentar a autoridade de João. Um deles é justamente a utilização de figuras conhecidas, como a própria Cissa, além de Camila Pitanga e Marina Abramovic, para mostrar a abrangência da popularidade em voga. O realizador busca com isso derrubar determinadas barreiras, especialmente a dos céticos, se valendo abertamente de gente pública, misturando-a às inúmeras pessoas que vão à Goiás para curar-se. Dentro dessa estrutura escancarada, também sobressaem, como meios de ilação, as falas dos médicos “rendidos” ao imponderável, confirmando “cientificamente” aquilo que pretensamente provém do intangível. No que concerne à imagem, há uma construção entre o despojamento e a falta de cuidado, com a composição dos planos atendendo a critérios nem sempre claros, às vezes parecendo submissa aos momentos, noutras soando como puro despreparo cinematográfico.

Inexiste dialética em João de Deus: O Silêncio é Uma Prece, exatamente porque o filme não consegue camuflar seu simplório tom doutrinário. Por exemplo, os vislumbres de cirurgias de sucesso improvável atendem, tão e somente, a um intento exibicionista, com João cortando camadas superficiais de pele, deixando escorrer filipetas de sangue, enfiando tesouras repetidamente nas narinas dos pacientes, raspando retinas com facas de cozinha, tudo para que a incredulidade se desvaneça. Não à toa, geralmente após tais intervenções, os próprios operados dizem como sentiram a experiência e “confirmam” curas espetaculares, isso quando, para arrematar a equação, Candé não lança mão novamente do espanto dos acadêmicos e cientistas. Antes constante, depois ocasional, a voz de Cissa Guimarães retorna para alinhavar os capítulos, a fim de celebrar os sucessos de João, que faz questão de atribuir os feitos às entidades, demonstrando frequentemente a virtude da humildade, reforçando o discurso.

Não se trata aqui de qualquer objeção à fé alheia, mas da compreensão de que, cinematograficamente falando, João de Deus: O Silêncio é Uma Prece não passa de uma mal disfarçada peça de propaganda, delineada tropegamente, sem, sequer, aproveitar as potencialidades da linguagem à qual recorre para transmitir suas mensagens. A breve escapada do âmbito místico à interação com amigos de infância que, inclusive, denunciam suas traquinagens do passado – algo que não serve para dirimir uma edulcoração ostensiva –, possui peso quase nulo, principalmente porque a Casé Salles, que filma como se encomendado a tal, cuidadoso para agradar, não importa o pai, o filho e tampouco o marido. Ao cineasta apenas o emissário de Deus merece atenção genuína. Até a relação entre João e a comunidade é explorada como marketing, pela maneira de apresentar as valiosas contribuições da Casa Dom Inácio de Loyola, fazendo disso um novo e canhestro louvor ao médium.

Marcelo Müller

Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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