Crítica

O cinema polonês geralmente é marcado por imagens da guerra ou da reconstrução após a queda da cortina comunista, que por muitos anos dominou o país. Exemplos como o próprio Walesa: Homem da Esperança (2013), de Andrzej Wajda, também presente no Festival do Rio 2013, reforçam essa noção. Por isso, é uma grata surpresa quando nos deparamos com um longa como Prédios Flutuantes (também conhecido como Um Mergulho no Espaço, título adotado durante sua exibição no Festival do Rio 2013), de Tomasz Wasilewski. Aqui temos um drama completamente universal, porém nunca desconectado da sociedade na qual está inserido, positivo justamente por oferecer um registro local e urgente, com potencial suficiente para se comunicar com os mais diversos tipos de públicos, graças à sua fácil identificação.

A trama começa acompanhando Kuba (Mateusz Banasiuk, que certamente deixará muitos dos espectadores extasiados, seja por seu físico ou pela tímida profundidade que vai, aos poucos, oferecendo ao seu personagem), um jovem nadador que, se não leva a vida perfeita, ao menos encontrou os meios para se incomodar o mínimo possível com ela. Passa os dias na piscina, às noites com a namorada, tolera com tranquilidade as loucuras da mãe e não se preocupa muito com o futuro. Isso até que os problemas de fora começam a se fazer presente. As duas mulheres da sua vida não se dão bem e vivem implicando uma com a outra, o técnico insiste para que se dedique mais ao esporte e o amanhã parece ser um mistério que ele não tem muita disposição em revelar. É quando surge Michal (Bartosz Gelner, equilibrando delicadeza e determinação com bastante habilidade), um colega que, apenas com sua presença, começa a fazer com que ele veja as coisas de um modo diferente. Talvez o mundo não precise ser apenas o que está ao alcance dos seus olhos hoje. Há mais a ser conquistado, basta saber se o rapaz terá força suficiente para lutar por estas mudanças.

Há um curioso prazer estético no processo de autodescobrimento do protagonista, e isso se deve ao talento do realizador em não apressar as coisas. Prédios Flutuantes oferece muitos silêncios, situações amplas que permitem que cada um dos envolvidos na história respirem, analisem suas opções e tomem as melhores escolhas. Esse processo se dá também com a plateia, que poderá aproveitar melhor o que se passa, absorvendo cada gesto, cada atitude. As cenas aquáticas, submersas, são estonteantes, e encantam tanto pelos movimentos como pela sensação de falta de ar – justamente o que se passa com Kuba e Michal. O primeiro está descobrindo o amor de uma forma que nunca imaginou, e não sabe muito bem como lidar com isso, com as reações de quem está próximo ou com as suas mesmas. Já o segundo tem seu universo melhor definido, porém sua felicidade, ainda mais quando colocada numa realidade tão acostumada ao controle e ao julgamento das ações dos outros, pode não depender apenas da sua boa vontade. A escolha, ainda hoje, pode ter que passar pelo aval de vizinhos, familiares e amigos. E estes vereditos nem sempre são como acreditamos que deveriam ser.

Se o surgimento de uma relação entre dois rapazes se dá de modo apaixonante, Prédios Flutuantes, por outro lado, não ignora o contexto no qual está inserido, e justamente por isso evita pintar esse retrato com tintas rosadas. A paixão possui um poder de gerar incômodos muito forte, e saber lidar com isso é mais do que um talento – pode significar a diferença entre a vida e a morte, tanto da alma como do corpo. O final do filme, chocante, violento e incômodo, é também um alerta de como tantas coisas ainda precisam ser provocadas, discutidas, analisadas. Só quando decidimos não olhar mais para o lado, debatendo trivialidades – como a genial conversa durante o jantar quando Michal anuncia à família que é gay – é que assuntos de fato sérios passarão a ser encarados de frente. As mudanças são urgentes, e não pode mais ser ignoradas. Tanto no mundo lá fora como no interior de cada um.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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