Crítica

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O aeroporto é um lugar de chegadas e partidas por excelência. Portanto, observá-lo em Falsch, filme de estreia dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne na ficção, como uma metáfora para o além vida acaba sendo de certa forma curioso, embora nada sutil. Baseado em uma peça de teatro, por sua vez baseada no romance de René Kalisky, o longa-metragem acaba sendo econômico em suas locações e proporções, tal qual um espetáculo teatral seria, com os cineastas não tentando extrapolar as barreiras que a própria história propunha. Um toque mais cinematográfico faria bem a esse trabalho, ainda que, em alguns momentos, a câmera dos irmãos passeie de forma bastante inventiva por aquele aeroporto.

Na trama, acompanhamos a história da família Falsch – ou do que sobrou dela. Joseph (Bruno Cremer) aterrissa e, tão logo desce do avião, sofre um mal súbito. Durante este movimento de queda, pessoas no saguão e nas cercanias do local observam a chegada daquele homem com certa expectativa. Logo ele está dentro do aeroporto, e vê um tanto incrédulo algumas pessoas do seu passado. Seu pai Jacob (Christian Mallet), sua mãe Mina (Nicole Colchat), sua antiga paixão Lilli (Jacqueline Bollen). Não seria tão surpreendente caso eles não tivessem morrido há muito tempo. Boa parte dos Falsch morreu nos campos de concentração em 1938, muito por conta da vontade de Jacob em não abandonar a Alemanha. Seu amor pelo país o fez levar quase toda sua família ao óbito. Menos Joe, que foi enviado ainda criança para os Estados Unidos. O encontro entre aquele homem e seu pai – agora aparentando a mesma idade – e outros membros da família iniciará um mergulho ao passado, no qual antigas feridas, culpas e arrependimentos serão colocadas em cheque.

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Em sua temática, Falsch é um longa-metragem interessante. Por tratar de um assunto que rende histórias muito humanas e por incluir um twist que gera uma pegada diferente à trama, os irmãos Dardenne ganham pontos valiosos em sua estreia. As cicatrizes da Segunda Guerra Mundial serão sempre um tópico importante de discussão e essa expiação de arrependimentos cria um drama psicológico que tende a gerar personagens profundos, doloridos, corroídos pelo passado. O advento dessa trama mais fantástica, com uma família se reencontrando no pós-vida, tem seus predicados, mas, como dito anteriormente, falta sutileza ao conceber o aeroporto como um paralelo com a vida após a morte, ainda que os diretores pareçam seguros de que exista algum mistério naquele cenário. Já nos primeiros minutos do filme é possível fazer essa ligação, o que mina esse pretenso suspense. De qualquer forma, os cineastas concebem um universo onírico, um tanto nonsense em alguns momentos, para só depois mergulharem no verdadeiro drama.

Mesmo tendo bons momentos, a grande maioria dos personagens de Falsch é arquetípica demais, o que se transforma em um tiro no pé para o longa, visto que ele é basicamente um diálogo entre essas tantas figuras que ali se encontram. Culpa de um orçamento limitado ou por apenas não se libertar das amarras teatrais, o filme se mantém todo dentro daquele aeroporto. Não seria um problema caso grande parte dos assuntos que geram dramas na história não acontecessem além daquele cenário. Ouvimos daquelas pessoas o que houve no passado, mas nunca testemunhamos esses acontecimentos. Falsch, portanto, fala bem mais do que mostra. Ao menos, temos no elenco figuras que conseguem manter o interesse – e sustentam um roteiro verborrágico. Bruno Cremer e Christian Maillet são os destaques, vivendo uma relação conturbada entre pai e filho, cheia de rancores.

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Um longa-metragem de estreia não deixa de ser um cartão de visitas para futuros trabalhos e os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne aproveitam esta obra para mostrar intimidade com a câmera. No terço final, principalmente, os dois parecem se soltar e a manutenção da câmera em travellings deixa as cenas com uma fluidez curiosa – algo observado também em algumas cenas mais oníricas. Mesmo em um filme falho como Falsch, os cineastas belgas conseguem imprimir algumas de suas marcas que viriam a ser famosas no futuro, como histórias com pegada humanista e certa preocupação em misturar a imaginação com algo palpável. Começo titubeante, mas que deu o pontapé inicial para uma carreira frutífera e cheia de bons momentos no futuro.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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