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Sinopse

Em outubro de 1993, os Estados Unidos enviaram um grande contingente de soldados para a Somália, que estava passando por uma guerra civil na época. O plano do exército norte-americano era enviar tropas para o local a fim de desestabilizar o governo da Somália para poder levar comida e ajuda humanitária para a população faminta. Em uma de suas missões, cerca de 100 soldados são enviados para capturar dois generais somalianos mas a operação, que deveria durar em torno de uma hora, passa por complicações quando dois helicópteros Black Hawk são abatidos por atiradores do exército local. A partir de então tem início um grande conflito entre os soldados americanos e o exército local, que resulta em uma batalha de 15 horas e centenas de mortes.

Crítica

É impressionante perceber como, mesmo um evento militar tão desastroso quanto o ataque à cidade de Mogadício, na Somália, em 1992, centro da história relatada em Falcão Negro em Perigo, pode se transformar em uma aula de patriotismo americano em mãos habilidosas. E o melhor ainda: não se trata de nada forçado e escancarado, como em produções do estilo de Pearl Harbor (2001) ou O Patriota (2000). Ridley Scott mostra em sua nova obra que, pra quem tem talento, é possível até “vender areia no deserto”! E para tanto contou com um olhar extremamente verossímil e o mais próximo possível dos eventos, ao menos da forma como acredita-se que tenham acontecido.

Para se ter uma ideia do que é Falcão Negro em Perigo, basta imaginar os primeiros vinte minutos de O Resgate do Soldado Ryan (1998) – toda aquela selvageria e realismo explícito dos piores horrores de uma guerra – potencializados para duas horas e meia de filme. Esse, no entanto, além de ser seu maior mérito, é também seu mais grave defeito. É interessante pois consegue transmitir ao espectador uma aula intensiva de técnicas militares sobre como deve ser e como devem se sentir aqueles que enfrentam essa situação em sua vida real. Mas, da mesma forma como os próprios soldados devem achar uma situação como essa um inferno a partir de determinado momento, assim se sente o indivíduo na audiência quando pressente que nada de muito de diferente irá acontecer.

Falcão Negro em Perigo trata de um ataque de forças militares americanas Deltas e Rangers, apoiados por forças aéreas comandadas por helicópteros Black Hawk (falcões negros). Eles invadem a cidade somali na tentativa de capturar dois “tenentes” do criminoso Mohamed Farah Aidid, responsável por comandar um cartel por todo o país, impedindo que a ajuda externa da ONU chegue aos necessitados. Como o próprio afirmava, sua maior arma era a fome do povo. Mas, o que era para ser um ataque, acabou se transformando numa missão de resgate no momento em que dois black hawks são abatidos e caem em plena zona urbana. Assim, o lema “não deixar nenhum homem para trás” passa a valer mais do que tudo, mesmo que para isso muitas outras vidas precisem ser sacrificadas.

Tecnicamente, o filme é um exemplo de como realizar um obra sobre a insanidade de uma guerra. O ator Josh Hartnett, que interpreta um dos soldados destacados a enfrentar essa loucura para resgatar seus companheiros, chegou a afirmar que o diretor Ridley Scott agiu como um “Maestro da Sinfonia do Caos”. Ele opera os elementos ao seu dispor de modo tão magistral que nada passa desapercebido, mesmo com tantos eventos acontecendo simultaneamente. Sua indicação ao Oscar foi um reconhecimento a todo esse esforço.

Falcão Negro em Perigo concorreu ainda ao maior prêmio do cinema mundial como melhor fotografia, mas infelizmente não foi dessa fez que a incrível câmera de Slawomir Idziak obteve o valor merecido. O trabalho que apresenta é impressionante, nos colocando literalmente dentro do campo de batalha, sem nos poupar por nem um instante de todos os seus horrores. Mas nem tudo foi descaso, e em outras duas categorias a cobiçada estatueta dourada se fez presente, como Melhor Som – méritos recebidos com entusiasmo pela crítica especializada – e Edição – um vitória justa, porém surpreendente.

No entanto, por melhor que sejam as peças escolhidas, isso não é garantia de que juntas formem um quadro bonito de se ver. Falcão Negro em Perigo é tão virtuoso, megalômano e dotado de caríssimas doses de adrenalina, que não sobra muito tempo para conhecermos os personagens, quem faz ou sofre com a guerra que está por se desenvolver diante nossos olhos. Ficamos impassíveis diante o desenrolar dos acontecimentos, sem que seja possível uma identificação com os envolvidos no episódio. Ao mesmo tempo que vemos americanos mais uma vez tentando salvar o mundo, como xerifes mundiais, notamos que são eles que tomam a decisão de iniciar um ataque suicida utilizando como campo de batalha uma zona urbana, uma cidade repleta de civis, homens, crianças e mulheres que sofrem como fantoches em mãos inconsequentes. Sem ter como assumir um lado na questão – sabemos apenas que existe um homem mau, mas desse nem é possível visualizar seu rosto – depois de certo tempo o sentido maior da história se esvai, e o que sobra é uma percepção vazia e dona de sentidos amortecidos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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