Era Uma Vez um Deadpool

LIVRE 120 minutos
Direção:
Título original: Once Upon a Deadpool
Gênero: Ação, Comédia, HQs
Ano: 2018
País de origem: EUA

Crítica

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Sinopse

Acompanha os acontecimentos já vistos em Deadpool 2 (2018), lançado no início do ano, mas, desta vez, sob uma perspectiva natalina. Destinado para menores de 18 anos, o filme apresenta Wade Wilson/Deadpool lendo suas grandes aventuras para o ator adulto Fred Savage, em homenagem ao seu papel infantil no clássico conto de fadas A Princesa Prometida (1987).

Crítica

Era uma vez um Deadpool talvez seja um dos maiores tropeços de Hollywood nos últimos anos. E olha que a concorrência é acirrada. Isso porque, apesar de ter título, cartaz e pôster próprio, este não é um longa inédito. Aquele que, desavisadamente, decidir ir ao cinema conferir este ‘lançamento’ motivado pela ideia “veja só, um novo filme do Deadpool” o que irá encontrar no lugar é exatamente o mesmo Deadpool 2 (2018) exibido alguns meses antes nos exatos cinemas que agora estarão apresentando este longa como se fosse algo nunca visto antes. Pois bem, não é. Não se trata nem de uma releitura, de uma refilmagem, ou de uma nova edição. É apenas o mesmo filme, sem tirar nem por. Aliás, corrigindo: tirando (muito) pouco e pondo menos (ainda). Se isso é suficiente para que a distribuidora o anuncie como uma novidade, bom, cabe ao espectador fazer esse julgamento. Mas, de antemão, é possível afirmar: não é nem ‘mais do mesmo’, e, sim, ‘menos do mesmo’.

Afinal, apesar da inserção de quase 20 minutos de cenas extras, essas se resumem exclusivamente ao encontro de Deadpool (Ryan Reynolds) e Fred Savage (sim, ele mesmo). Se em Deadpool 2 o protagonista narrava a sua trajetória de danação, perda e recuperação diretamente para o espectador, aqui ele relata esse mesmo conto a… Fred Savage! Essa é para ser, portanto, a grande ‘sacada’ da nova versão: o antiherói sequestra o ator que se tornou conhecido quando criança na série Anos Incríveis (1988-1993) e o coloca num cenário falso que recria o mesmo ambiente do clássico infantil A Princesa Prometida (1987), de Rob Reiner. E se alguém por aí não lembra deste mediano sucesso dos anos 1980, aí vai uma rápida recapitulação: enquanto doente, um menino (Savage) permanece em sua cama, enquanto seu avô (Peter Falk) lê para ele contos de fadas. Essa, portanto, é a ideia: apresentar Deadpool 2 como se fosse mais uma dessas histórias de fantasia, repleta de príncipes encantados, bruxas, gigantes e duendes. Ou quase isso.

Na prática, no entanto, o que se vê é o mesmo filme de antes, porém editado para retirar muito do material que potencialmente poderia afetar as audiências mais jovens. Ou seja, este é um Deadpool 2 para menores. Diminui-se a quantidade de palavrões, eliminou-se referências que não serviriam aos espectadores mais jovens (como a sequência inteira de abertura, com a canção-tema de Celine Dion) e tentou-se dar uma amenizada nos tiroteios, mortes e derramamentos de sangue. Mas veja bem: o registro é somente de uma tentativa. Afinal, esse continua sendo um Deadpool igual ao de antes. Ele continua, portanto, com suas espadas e pistolas, enfrentando vilões como Cable (Josh Brolin) e Punhos de Fogo (Julian Dennison) – que depois acabam se tornando seus amigos – tudo isso para expurgar a culpa que sente após a morte da sua amada, Vanessa (Morena Baccarin) – que, aliás, continua morrendo da mesma forma. Temos os integrantes da X-Force morrendo das formas mais patéticas possíveis – isso não pode ser considerado um spoiler pois, afinal, como tem se repetido desde o início deste texto, é o mesmo filme de antes – e o protagonista passando pelas mais diversas provações em sua busca para acabar com a própria vida, algo que é incapaz de alcançar graças aos seus superpoderes que o tornam, literalmente, imortal (ou algo assim).

Mas as interações entre Fred Savage e Ryan Reynolds não valem o preço de um novo ingresso? Pouco provável. A não ser que o espectador em questão seja um saudosista extremo e tenha A Princesa Prometida como um dos seus filmes de cabeceira, a reunião de um ator que há décadas não tem um trabalho bem-sucedido no currículo com o astro linguarudo pouco sentido parece fazer. Até as piadas feitas entre eles soam envelhecidas. Para se ter ideia, há um diálogo inteiro baseado no meme I’m Fucking Matt Damon – que se tornou fenômeno no programa do Jimmy Kimmel em 2009 – ou seja, quase uma década atrás! Sério, quem ainda ri disso? Ou mesmo o fato de Deadpool tratar o sequestrado o tempo todo como se ele ainda fosse uma criança, e não um homem adulto de mais de 40 anos! Até gera dois ou três sorrisos constrangidos no começo, mas a intensa repetição logo cansa, resultando em apenas mais tédio e desgaste.

Em resumo, Era uma vez um Deadpool até pode se vender como um novo filme, mas está longe de ser próximo disso – afinal, não é nem a segunda versão, e, sim, a terceira: uma anterior, chamada de Super Duper Cut, apropriadamente estendida e, finalmente, apresentando algo de novo que justifique um interesse renovado, foi lançada diretamente em home vídeo. Pois é justamente esse o destino que esta ‘versão para crianças’ deveria ter tido: uma edição disponibilizada apenas em DVD ou plataformas de streaming. Ou, melhor ainda, como um programa de fim de ano feito para a televisão, como O Especial de Natal de Star Wars (1978), tão vergonhoso que, na época, até parecia fazer algum sentido, mas que hoje todos os envolvidos tem vergonha de admitir suas participações. Pois Deadpool 2 pode até ser divertido – confira a nossa crítica aqui – mas é, assumidamente, inferior ao primeiro Deadpool (2016). E se não fez feio em sua primeira passagem pelos cinemas, isso deveria ser um sinal de alívio, e não de estímulo para continuar em cima de uma fruta que não tinha mais suco algum a oferecer. Ah, e se essa cotação não ficou apenas em uma estrela, a segunda é por mérito da última cena extra, exibida após todos os créditos, que fez uma bonita homenagem à Stan Lee. Por ele, e somente por ele, o desperdício não é total. Mas o mestre merecida mais, com certeza.

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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