Doméstica
Crítica
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Sinopse
Sete adolescentes assumem a missão de registrar, por uma semana, a sua empregada doméstica e entregar o material bruto para o diretor realizar um filme com essas imagens. Entre o choque de intimidade, as relações de poder e a performance do cotidiano, o filme lança um olhar contemporâneo sobre o trabalho doméstico no ambiente familiar, transformando-se em um potente ensaio sobre afeto e trabalho.
Crítica
A ideia, num primeiro momento, parece interessante: entregar câmeras digitais nas mãos de adolescentes para que registrem, durante uma semana, o dia a dia das suas empregadas domésticas. Sete jovens foram recrutados, numa seleção que buscou a maior diversidade possível: meninos e meninas, ricos ou pobres, religiosos ou não. São também de diferentes estados, entre eles paulistas, cariosas e baianos. Depois, de posse desse material coletado, o diretor Gabriel Mascaro sentou ao lado do montador Eduardo Serrano e, juntos, foram atrás do filme que existia ali escondido. O resultado é o documentário Doméstica, selecionado para a mostra competitiva do 45° Festival de Brasília. E se a princípio a obra soa realmente interessante, aos poucos suas falhas e deslizes vão sendo percebidos através de uma análise mais elaborada, revelando a fragilidade dessa proposta que nem ao menos original consegue ser.
Doméstica, o documentário, se assemelha demais ao ficcional Domésticas (2001), co-dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival. Se este, realizado há mais de dez anos, surgiu a partir de uma intensa pesquisa e de uma série de entrevistas com domésticas da vida real e ganhava força por um conjunto de fatores – um texto inteligente, atuações acima da média, diretores com domínio de narrativa – o seu parente atual carece de tudo isso. A curiosidade inicial que desperta é válida, algo como um big brother do serviço de limpeza, mas esta estrutura que tenta levantar é por demais frágil e não consegue se sustentar por muito tempo. O filme ganha, por outro lado, quando são as próprias entrevistadas se revelam personagens diferenciados, e nisto não há mérito algum do realizador ou mesmo dos entrevistadores. É a natureza, simples e pura, que se impõe, mostrando que tanto invencionismo a respeito de um gênero carente de novas ideias válidas nem sempre provoca o efeito esperado.
Temos, ao todo, sete rapazes e garotas conduzindo estes registros. Há a que cuida das crianças com maior presença do que os próprios pais, a que se senta à mesa com os patrões durante o sabbath judaico, a que é empregada de uma outra empregada doméstica, a que era amiga de infância daquela que hoje é sua patroa, a que foi praticamente adotada pela família que lhe emprega e tem na dona da casa a melhor babá para a própria filha recém nascida, o homem que encontrou nas lidas domésticas um refúgio para o seu fracasso familiar e a que trocou a própria família por aquela que hoje a emprega. Juntas, estas histórias formam um mosaico amplo sobre as relações de poder, a performance do cotidiano, o choque da intimidade. No entanto, os melhores momentos são quando a câmera parece estar escondida, longa do olhar impositivo do adolescente. Aí descobrimos as tristezas, frustrações, agonias, decepções e (poucas) conquistas destes profissionais. Nos divertimos com a sonâmbula, nos emocionamos com a que precisa lidar pelo telefone com os problemas com as drogas que o filho enfrenta, ficamos revoltados com aquele que foi abandonado pela esposa, nos perguntamos por onde anda o pai do bebê que uma delas recém teve. São sentimentos universais, mas que aqui almejam conquistar uma simpatia diferenciada. O que até acontece, ao menos por alguns instante, porém sem perdurar muito mais do que isso.
Gabriel Mascaro, o diretor, lançou em 2012, além desse documentário, o curta-metragem – igualmente documental – A onda traz, o vento leva, sobre o cotidiano de um rapaz da periferia surdo, pai solteiro e HIV positivo. Nestes dois sua câmera interfere o mínimo possível no objeto retratado, mas isso não é garantia de naturalismo e simplicidade. Como estas domésticas reagiriam se as filmagens fossem feitas sem a presença dos pequenos patrões por perto? Seriam os discursos iguais? E o que pode nos acrescentar, enquanto espectadores, observar essa relação de domínio que se estabelece entre pessoas adultas, porém em condições de desequilíbrio, que acabam subjugadas à jovens com a menor – ou quase nenhuma – experiência de vida? É curioso perceber também como a sociedade brasileira se constrange em assumir estas pessoas como legítimos empregados, preferindo acreditar que ao tratá-los como se fossem membros da família suas importâncias adquirem outra dimensão. Por outro lado, a relação dessa forma se torna ainda mais humilhante, pois o que resiste no final é a farsa pura e simples. Doméstica seria mais eficiente se tivesse essa preocupação, ao invés de se contentar em apenas desenhar um painel sem apontar conclusão alguma.
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