Crítica

É motivo de admiração ver uma atriz como Geraldine Chaplin, no alto dos seus mais de 70 anos, filha do mestre Charles Chaplin, indicada ao Globo de Ouro e ao Bafta e estrela de sucessos variados como Doutor Jivago (1965) e Fale com Ela (2002), entre tantos outros, se entregar com tamanha dedicação a um projeto como Dólares de Areia. A produção, uma das raras feitas na República Dominicana, tem no seu enredo sem excessos, na direção segura dos realizadores Israel Cárdenas e Laura Amelia Guzmán e na bela fotografia alguns dos seus maiores méritos, mas nada que se compare à excelente performance dessa veterana que consegue se reinventar como uma novata promissora mesmo já contando com mais de cem títulos na sua filmografia!

Exibido hors concours na sessão de encerramento da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2014, Dólares de Areia tem sido premiado e aplaudido por onde é exibido, como nos festivais do Cairo, no Egito, de Chicago, nos Estados Unidos, e até mesmo no Cine Ceará, aqui no Brasil. E ainda que o nome de Geraldine seja o de maior destaque do elenco, ela não é a única protagonista. Aliás, a história por completo está estruturada em três personagens: essa senhora que decide abandonar a família e uma vida mais convencional na Espanha e se refugia nas praias do Caribe, uma jovem prostituta que se enamora pela mulher mais velha dando início a uma conturbada relação, e o namorado desta, um misto de cafetão e aproveitador que vê na turista nada mais do que um caixa bancário, ao mesmo tempo em que precisa lidar com o próprio ciúmes que sente pela amante.

Sem reservas e de forma muito corajosa, Chaplin aparece em cena mergulhando fundo nessa busca por uma nova – e talvez última – possibilidade de ser feliz. O envolvimento dela com a garota começa de modo superficial, mas rapidamente se desenvolve para abrir espaço para preocupações e planos futuros. Ela não tem mais que dar satisfações a ninguém, e ainda que não seja ingênua – afinal, sabe muito bem que pode estar no meio de um jogo em que uma faz uso da outra para suprir suas carências – consegue imaginar que a situação entre elas possa ter um final satisfatório. Do outro lado, há esse rapaz que vê na ligação entre as duas um cartão dourado que o tire daquele paraíso infernal, um cenário deslumbrante ao qual os próprios moradores locais não tem acesso, uma vez que está cada vez mais restrito aos turistas e visitantes.

Entre os dois está uma jovem que talvez represente o tipo mais complexo desta trama. Interpretada com muita garra por Yanet Mojica – ela e Ricardo Ariel Toribio, que faz o namorado, são atores estreantes e sem experiências prévias – a menina cresce progressivamente aos olhos do público, e se no princípio nos é difícil vê-la além da máscara da golpista querendo se aproveitar da idosa, aos poucos vamos descobrindo que nada é tão simples assim. Não há preto no branco nas relações entre estes três, e, sim, muito mais tons de cinza do que qualquer thriller genérico poderia prometer.

Cárdenas e Guzmán já haviam chamado atenção no Brasil com um dos seus trabalhos anteriores, o drama Jean Gentil (2010), premiado no Festival de Gramado. Em Dólares de Areia eles vão além nesse registro das mazelas vividas por pessoas que poderiam ter muito, mas acabam se contentando com pouco, ao mesmo tempo oferecem uma luz àqueles que nada têm mas lutam desesperadamente para ao menos serem notados, independente sob qual ótica. Tem-se aqui um filme sem respostas óbvias, que conduz seu espectador por momentos tensos e reveladores, mas sem passagens gratuitas ou desnecessárias. Não que seja uma obra difícil, pois antes de qualquer coisa sabe recompensar à altura os que a ela se dedicarem com o afinco necessário.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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