Crítica

Duas histórias correm paralelamente em uma cidade esquecida no interior do Brasil no filme Cru, de Jimi Figueiredo. A princípio, ambas se complementam e, provavelmente, desenrolam-se no presente. Mas não temos certeza disso. Não há indicativos de que essa hipótese seja verdade. Apenas imaginamos.

Na primeira delas, temos como foco uma família composta por um casal e um filho pequeno que está hospedada no único hotel do vilarejo. Mãe (Rosanna Viegas) e menino são profundamente ligados, como mostra a belíssima imagem dela banhando ele na abertura do longa. A cena não poderia ser mais emblemática do amor natural entre ambos. Já o pai é ausente. Não nutre sentimentos pelo filho, e tem no sexo o único interesse pela mulher. Algo que, por sinal, não consegue há tempos. Frustrado, o homem decide se vingar jogando sua raiva sobre a criança.

Na outra história, um senhor morador de Brasília (Chico Sant'anna) marca um encontro de negócios com um matador de aluguel (Sérgio Sartório) no açougue de um jovem homossexual (André Reis). Como o assassino demora a chegar, o dono do estabelecimento tenta puxar conversa com o forasteiro para descobrir qualquer informação sobre sua visita. Não consegue nada até a chegada do matador.

A partir disso, segue-se um dos diálogos mais interessantes já vistos em todas as edições do Fantaspoa, especialmente no que diz respeito a filmes brasileiros. Transitando entre o nonsense, o suspense , a comédia e o determinismo intrínseco ao cotidiano nacional (indo da estratificação social ao suposto gosto exagerado do ex-presidente Lula por bebidas alcoólicas), o papo entre os três personagens é envolto por um desconcertante mistério. A excelente atuação de todos amplifica ainda mais essa sensação.

Ao fim da discussão, o forasteiro contrata o matador de aluguel para matar um homem que alugou um quarto naquele mesmo hotel. Porém, para a surpresa de todos, especialmente do público, o crime encomendado torna-se um trágico acerto de contas.

Cru, baseado no texto do dramaturgo Alexandre Ribondi, analisa a gênese do amor e do ódio. O filme teve apenas uma exibição no IX Fantaspoa, no dia 06 de maio. Quando puder, não perca a chance de vê-lo.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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