Crítica

Em 2006, durante o lançamento de Brasília 18%, entrevistei Malu Mader, atriz deste filme. E no final da nossa conversa, quando a perguntei sobre seus próximos trabalhos, os olhos dela se iluminaram pela primeira vez: foi quando começou a falar de Contratempo, o documentário que seria sua estreia como realizadora! A diretora de primeira viagem não estava sozinha – Mini Kerti, outra novata neste formato, porém com longa experiência em publicidade e televisão, embarcou na mesma aventura, dividindo os créditos de direção e roteiro. Porém a certeza de que algo bastante interessante estava prestes a surgir vinha de outros dois nomes, os primeiros a acreditar nestas duas sonhadoras: João Moreira Salles (diretor de Santiago) e Maurício Andrade Ramos (produtor de Jogo de Cena), que assumiram a produção em nome da Videofilmes. E com tantos créditos interessantes ao redor, a confirmação da qualidade da obra não chega a ser uma surpresa tão grande assim.

A música como elemento transformador de realidades. Este é o mote de Contratempo, que tem como objetivo documentar a trajetória de diversos jovens envolvidos no projeto Villalobinhos, iniciativa que visa descobrir talentos em comunidades humildes do Rio de Janeiro, oferecendo-lhes uma oportunidade singular de se destacaram profissionalmente através da arte. Malu e Mini possuem o talento de não se imporem diante os entrevistados – em alguns poucos momentos até chegamos a ouvir as vozes delas, durante as conversas, porém nunca chegamos a vê-las em cena – ou seja, o foco são aqueles adolescentes e as jornadas deles, e não um discurso pré-determinado antes mesmo das filmagens.

Como já seria de se esperar tendo um tema como este, que aborda sentimentos de superação e sacrifícios, é muito fácil para o espectador se emocionar com as histórias que nos são narradas. E a estrutura assumida pelas diretoras até nos induz, em certo ponto, a este sentimentalismo mais gratuito. Mas isso é uma falsa armadilha, uma vez que tudo é muito bem dosado. As informações vão sendo dispostas aos poucos, e apesar de nos confrontarmos com histórias comoventes e sofridas, elas nunca chegam a ser expostas de forma explorativa ou exagerada. E por fim o que vemos é um belo exemplo de como o mundo ao nosso redor pode ser transformado, desde que haja uma combinação de empenho com oportunidade. Quando somente um destes lados de manifesta, os resultados podem ser trágicos. E Contratempo é duro o suficiente para não esconder esta verdade.

Premiado com o troféu de Melhor Documentário no Festival de Cinema Brasileiro de Los Angeles, Contratempo é um belo longa-metragem que assume uma posição de destaque dentro da cinematografia nacional. Não irá mudar vidas nem provocar grandes debates, mas cumpre sua missão com louvor. E ainda possui a vantagem de ter uma elegância natural e um charme muito específico, característico dos trabalhos da Videofilmes, uma das mais competentes e diferenciadas produtoras nacionais. Uma estreia com cara e experiência de veteranos, que coloca em cena o esforço tímido dos que não tem medo de arriscar, e que por isso mesmo se assumem como os grandes agentes mobilizadores da nossa sociedade. Mais que uma lição de vida, é uma prova concreta de que é possível ainda ter esperança no Brasil.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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