Crítica


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Sinopse

Poucos meses antes da eleição presidencial no Brasil, Cacá Viana, um veterano apresentador de telejornal, se vê no meio de conflito ético que envolve diretamente dois candidatos com os quais possui profundas relações de amizade. Às vésperas de se aposentar, o jornalista precisa decidir entre motivações pessoais e profissionais numa questão diretamente relacionada ao futuro do país.

Crítica

Que Antônio Fagundes é um dos maiores atores do Brasil, disso poucos duvidam. Nome consagrado no teatro e na televisão, ele tem tido, ao menos nos últimos anos, uma presença discreta no cinema. Apesar de contar com duas indicações ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e outras quatro ao Prêmio Guarani, nunca chegou a ser premiado – apesar de ter ganho um Troféu Oscarito, há mais de uma década (em 2006), pelo conjunto de sua obra, no Festival de Gramado. Talvez tenha sido isso que o motivou a impulsionar essa filmografia com trabalhos mais consistentes, a ponto de abrir sua própria produtora cinematográfica, a FA Filmes. E o primeiro resultado desse esforço é o longa Contra a Parede, que ganhou direção de Paulo Pons e acabou sendo lançado diretamente na televisão aberta, antes mesmo de passar pelos cinemas ou pelas plataformas de streaming. Uma estratégia arriscada, de dividendos duvidosos, ainda que à altura do que o filme propõe.

No final da década de 1980, quando o cinema brasileiro estava na UTI logo após o início do Governo Collor, o cineasta Carlos Diegues decidiu lançar seu novo filme, Dias Melhores Virão (1989), diretamente na televisão, em uma atitude inédita até aquele momento. Isso chamou a atenção do público, que ainda não estava acostumado com esses movimentos, e serviu para capitalizar interesse de uma plateia maior acima de um título que possuía inegáveis qualidades. Após a exibição, a única chance de quem havia perdido e queria assisti-lo era ir aos cinemas, onde o longa foi lançado logo em seguida. Quase trinta anos depois, os tempos mudaram, e a decisão de Fagundes e Pons não parece mais tão sensata. Em tempos de Netflix, iTunes e tantas outras formas de se ver filmes, as exigências cresceram, e as ambições dos realizadores devem acompanhar este processo. E o que aqui encontramos soa datado, como se tivesse sido feito há um bom tempo, sem a urgência que o tema parece exigir.

Fagundes está em cena aproximadamente 95% da trama, o que já lhe exige bastante. E em muita boa forma – afinal, é um ator competente. Como Cacá Viana, um tradicional âncora do telejornal noturno mais assistido no país que está prestes a se aposentar, ele se vê dividido entre os dois pré-candidatos que disputam a preferência dos eleitores nas pesquisas de opinião – ambos amigos seus de longa data e, curiosamente, do mesmo partido. Quando os dois acabam envolvidos em um acidente de trânsito que resulta em uma trágica morte, descobrir a verdade por trás do que de fato aconteceu pode influenciar a campanha presidencial e o destino da nação. O protagonista, portanto, precisa deixar de lado os laços de amizade e resgatar em si o jornalista ferrenho do início da carreira. O problema é que falar é simples, mas realizar é bem mais complicado.

Contra a Parede brinca com a forma como vai revelando seus segredos ao espectador, criando armadilhas que somente aos poucos se desfazem. Com um elenco de peso, no qual o principal destaque é mesmo Fagundes, compondo uma figura complexa como desde Achados e Perdidos (2007) ele não criava na tela grande, há ainda espaço para nomes com Caio Blat (como o repórter que ao entrevistá-lo o obriga a colocar em cheque crenças até então estabelecidas, agindo num misto de Grilo Falante com o personagem de Christian Slater em Entrevista com o Vampiro, 1994) e Emilio de Mello (apesar deste resvalar um pouco no exagero durante o seu ‘monólogo da revelação’) mostrarem a que veio. Ao contrário das muitas participações especiais – Marcos Caruso, Clarisse Abujamra, Edson Celulari, Caco Ciocler – todos aparecendo em apenas uma ou duas cenas, sem terem muito o que dizer.

O peso, no entanto, está nas mãos de Paulo Pons, que não demonstra saber lidar direito com o enredo que tinha pela frente. É complicado imaginar que a decisão de exibir Contra a Parede primeiro na televisão tenha sido algo de última hora, uma vez que o resultado é digno dos telefilmes do século passado, repleto de planos fechados e muitos discursos, com muito pouco, de fato, se passando na tela. Corrupção, conspirações, negociatas e tudo que ficou identificado com o mundo da política passa pela tela – sem muita habilidade, é preciso alertar – em um conjunto que, mais do que envelhecido, parece ingênuo. Basta uma olhada nos jornais de hoje – os reais, que relatam ao menos a superfície do que se passa nos bastidores de Brasília ou de qualquer governo por este Brasil imenso – para verificarmos escândalos e conflitos muito maiores do que os que aqui são recriados na ficção. A denúncia – e a esperança – dos personagens é até comovente, mas não mais do que isso: uma fantasia de ocasião, breve e descartável assim como um capítulo de novela.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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CríticoNota
Robledo Milani
5
Francisco Carbone
4
MÉDIA
4.5

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