Crítica

Quando o oscarizado diretor Steven Soderbergh anunciou que seu próximo projeto seria Confissões de uma Garota de Programa, o sinal da polêmica começou a chamar atenção no horizonte. Um alarde, no entanto, completamente infundado. E os motivos para as diversas frustrações que esse filme provoca são tantos que é até meio complicado saber por onde começar. Seja pela péssima escolha da atriz pornô Sasha Grey para ser a protagonista, pelo enredo que mais parece um relatório contábil de uma empresa devastada pela economia ou pelo falso alarme que um tema como este poderia levantar, e que no final se confirma como uma grande enganação. O mais curioso, no entanto, é tentar descobriu quem bancou o maior tolo – se o homem por trás de toda esta história ou se nós, do lado de cá da tela grande.

O trailer anuncia, em créditos bastante rebuscados: “Christine e Chris são namorados. Ele é personal trainer e cobra $ 125 por hora de trabalho. Ela, no entanto, cobra mais de $ 2.000 pelo mesmo período”. A partir disso, é fácil cair na armadilha que é preparada para os desavisados. Escândalos sexuais? Pornografia com aspectos artísticos? Grandes revelações? Ousadia? Sexo? Provocações? Que nada! O máximo que alguém consegue diante de Confissões de uma Garota de Programa (o título nacional também não ajuda muito...) são vários bocejos em sequência. O que nos resta é acompanhar o dia a dia de uma prostituta de luxo e seu namorado atleta, os dois numa Nova Iorque luxuosa e decadente, ambos lutando para sobreviver com as armas que encontram à disposição. O corpo que possuem é o que está mais próximo e íntimo, e por isso mesmo fazem uso com destreza e conhecimento. Debaixo disso, no entanto, o que temos são pessoas comuns, assustadas, receosas, esperançosas. Como todos nós. Mas precisávamos de Soderbergh para termos consciência dessa obviedade?

A trama se passa durante algum mês indefinido no segundo semestre de 2008, em que todos estavam ou temerosos pela crise que estava por vir ou vibrantes pelos anos Barack Obama que se aproximavam. Nudez? Física é quase nula, mas moral se descortina do início ao fim. Erotismo? Nenhum. Tesão? O que é isso? O que há são negócios, jogatinas, empreitadas, batalhas desleais e valores sendo discutidos, preços para isso e para aquilo, tudo sendo vendido e comprado. Mas isso não seria a primeira coisa que se vem à mente ao pensarmos em garotas de programa e todo o universo de motivos que as levaram até onde se encontram? E, justamente pelo clichê extremo, levado até às últimas consequências, como se essa fosse uma coragem inédita, e não mera repetição do já esperado, é que reside o tal diferencial da obra. É o que é. E sem vergonha de se assumir. E azar de quem pensou o contrário.

Steven Soderbergh é conhecido por atuar nos dois lados do jogo hollywoodiano. Para cada Treze Homens e um Novo Segredo, Irresistível Paixão, Erin Brockovich ou Traffic que dirige, repleto de astros e prêmios, surgem uma dezena de Full Frontal, Bubble ou Che, todos trabalhos visualmente arriscados, e com resultados bem contraditórios. Agradam dois ou três, possuem méritos inegáveis, mas no conjunto inevitavelmente acabam desapontando. E esse Confissões de uma Garota de Programa está, inevitavelmente, na segunda categoria. É um filme cansativo (apesar dos menos de 80 minutos de duração), enrolado, sem foco e muito discursivo, como se falar e falar fosse a solução para os problemas da sociedade atual. Essas confissões não valem o preço cobrado, e o pior é que nem chegamos a gozar no final.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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