Crítica

É difícil falar de Che. E simplesmente pelo fato de que não é de um Che completo a que me refiro, e sim da Parte 01 – O Argentino. Ou seja, não é o filme inteiro, como o diretor Steven Soderbergh imaginou. É a metade. E como julgar o todo por apenas uma amostra? Dividido em dois filmes por pressões comerciais (no Festival de Cannes, de onde saiu com o prêmio de Melhor Ator para Benicio del Toro, a exibição foi na íntegra, com quase 4h30 de duração!), quem mais sofre são os verdadeiramente interessados na visão do realizador norteamericano oscarizado por Traffic (2000) e responsável por obras tão diferentes quanto sexo, mentiras e videotape (1989), Irresistível Paixão (1998) e a trilogia Onze Homens e um Segredo (2001, 2004 e 2007). Com meses entre os lançamentos das duas partes, é quase impossível julgar de antemão as reais intenções do projeto e dar uma avaliação mais intensa. Esta primeira metade é um bom filme? Não, com certeza não. Mas também está longe de ser desinteressante.

Extremamente narrativo, Che: Parte 01 – O Argentino acompanha o mítico revolucionário latino-americano a partir do momento em que ele se encontra com Fidel Castro, em 1956, ainda na Cidade do México, e parte ao lado dele para promover a revolução em Cuba. Deste ponto em diante pouco descobrimos sobre Ernesto Guevara, o homem, uma vez que somos mantidos ao lado de Che, o líder nato e obediente militante. As ações dele pelas periferias e campos cubanos, enquanto vão arrebatando o povo e unindo-os rumo à Havana para deporem o ditador Fulgêncio Batista, são em sua grande maioria abatidas por uma sombra muito maior neste momento – a do próprio Fidel! E como poderia ser diferente?

Algo inteligente no roteiro escrito por Peter Buchman (das aventuras Jurassic Park 3 e Eragon) e baseado num relato autobiográfico, é a contraposição entre o homem sonhador, decidido a lutar por um mundo mais justo e equilibrado, e o comandante diplomático que se sujeita à situações certamente estranhas ao seu perfil em busca de um entendimento mais globalizado. Esta dualidade é muito bem explorada pela edição e pela fotografia, que alterna entre o colorido e o preto & branco, facilitando a compreensão do público. Porém o impacto é diminuído por não termos acesso à conclusão da trama. O que se pretende comunicar com este longa? Qual a maior relevância de Guevara: como homem de ação ou de discursos?

Concebido para ser um único filme, Che sofreu do mesmo mal de outros trabalhos recentes, como Kill Bill e Grindhouse (a segunda parte deste, À Prova de Morte, dirigida por Quentin Tarantino, até hoje permanece inédita no Brasil). E se a duração excessiva realmente se revela exagerada (não há dúvida alguma de que muito poderia ser eliminado, ao menos nesta primeira etapa), por outro lado recebemos um filme pela metade, que possui inegáveis méritos – Del Toro está muito adequado, assim como toda a reconstituição de época – mas que infelizmente nos deixa com um gosto amargo na boca. Será que melhora depois? Ou o leite irá desandar de vez?

Incompleto e diminuído, Che: Parte 01 – O Argentino sofreu por todos os lados. Foi praticamente ignorado pela crítica, e apesar de ter custado cerca de US$ 30 milhões arrecadou quinze vezes menos nos cinemas de todo o mundo! E nem mesmo o elenco internacional, que ainda conta com nomes de destaque, como os cubanos Vladimir Cruz (Morango e Chocolate) e Jorge Perugorria (Estorvo), o venezuelano Santiago Cabrera (Heroes), a colombiana Catalina Sandino Moreno (Maria Cheia de Graça), a inglesa Julia Ormond (O Curioso Caso de Benjamin Button), o mexicano Demián Bichir (Weeds) e até o brasileiro Rodrigo Santoro (Cinturão Vermelho), todos com participações discretas e competentes, conseguiu atrair maiores atenções. Che é resultado de um sonho impossível dividido apenas por Soderbergh e Del Toro (que também assina como produtor). E muito provavelmente somente estes dois consigam visualizá-lo como um todo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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