Crítica

A câmera avança, saindo do subúrbio e se embrenhando pelas ruas de uma São Paulo suja, usada, gasta. Passamos por quebra-molas, casas decadentes, as primeiras pessoas que saem para trabalho com o raiar do dia, os postes que começam a se acender com o cair da noite. Assim segue até encontrar um homem trafega pelo meio da rua, carregando nada mais do que uma mala. O estorvo, na verdade, é o destino. Será na história deste personagem – e não a do carro ou do seu motorista – que Avanti Popolo irá se concentrar. Ou ao menos é o que parece numa primeira impressão. Pois o diretor uruguaio, paulista por opção, Michael Wahrmann tem como objetivo enganar não somente o espectador, mas também as próprias expectativas levantadas por sua trama. E se esse início parece intrigante, aos poucos vai perdendo sua força até se tornar cansativo e redundante.

Há filmes que não precisam nem mesmo serem exibidos para terem todos os aplausos possíveis. Avanti Popolo é um deles. Inspirado pelo lema comunista italiano, já revisitado pelo filme israelense homônimo de 1986 escrito e dirigido por Rafi Bukai, tem como seu principal motivo de interesse o fato de apresentar o último trabalho do grande cineasta Carlos Reichenbach, falecido no início de 2013 – e não como realizador, mas sim como intérprete. Ou seja, é ele que está na tela, sua imagem que está gravada e disponível para todos que queiram conferi-la. Ainda que esse adeus derradeiro venha carregado por uma experiência tortuosa e aborrecida.

Reichenbach é o pai do protagonista, homem que volta para a casa da família em busca de abrigo – por não pagar aluguel? Por se separar da mulher? Por estar voltando do exterior? Ninguém sabe. Ao chegar lá, André (André Gatti) é proibido de entrar no quarto – “sempre esteve fechado e assim continuará”, o pai avisa – e ganha o sofá da sala como alento. A partir daí, pouco acontece. A câmera fica estática, abrangendo o ambiente decrépito. O discurso é hermético, e uma troca – seja entre os personagens, seja com o público – parece não ter importância. O velho lida com a cachorra Baleia – a referência é tão óbvia que chega a ser incômoda – enquanto que o rapaz passa seus dias sentados, revirando antigos pertences familiares. Até que encontra filmes antigos em super-8, e a história de fato apresenta seu porquê.

Assim como quase todos os filmes selecionados para o 46° Festival de Brasília, Avanti Popolo também possui uma forte pegada política. O filho/irmão desaparecido é fruto do período da Ditadura Militar no país, um trauma que vem desde os anos 1970. É uma ferida que ainda não cicatrizou e que se reflete no idoso que leva um modo de vida quase catatônico, no homem que não consegue crescer, e no passado que insiste em não ir embora. Apesar disso, o diretor, sentindo que está jogando apenas para iniciados, decide ainda fazer graça, com a inclusão de personagens passageiros e irrelevantes, como o motorista de táxi viciado em hinos nacionais ou o cineasta de fundo de quintal que prega o Dogma 2002, movimento no qual a única coisa proibida é... filmar! Estes acréscimos não só retiram a força que o filme poderia ousar adquirir, como o empobrecem com um riso fácil e equivocado. Dessa forma, seu discurso se dilui, e o que resta é apenas uma cena monótona que segue se repetindo, ontem, hoje e amanhã.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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