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Sinopse

O jovem Garrard, de apenas 19 anos, mora numa pequena cidade conservadora do Arkansas. Ele é gay e filho de um pastor da Igreja Batista. Chega um momento em que é confrontado pela família: ou arrisca perder os pais e amigos ou entra num programa de terapia que busca a “cura” da homossexualidade.

Crítica

Há dois filmes no cerne do discurso de Boy Erased: Uma Verdade Anulada. Um que carece aprofundamento, outro que ressente de profundidade. Assim, o segundo trabalho por trás das câmeras do ator Joel Edgerton – que também aparece no elenco – acaba ficando pelo meio do caminho, como mais um daqueles exemplos repletos de boas intenções, mas que, como bem sabemos, dessas o inferno está cheio. Baseado nas memórias do autor Garrard Conley, aqui interpretado por bastante leveza e determinação por Lucas Hedges, é um filme com muitos elementos a seu favor – o elenco, o discurso, até mesmo o momento sócio-político no qual ele está sendo lançado – mas que acaba perdendo sua força justamente por uma falta de foco por parte daquele que está no comando da história. A impressão que passa é de não querer desagradar ninguém, justamente ao abordar um tema tão polêmico quanto provocador. Ou seja, um intento impraticável diante um cenário como esse pelo qual escolheu percorrer.

Sob o nome de Jared Eamons (Hedges) – por mais que seja compreensível o fato do roteiro não assumir os nomes verdadeiros, tão desprendimento só reforça essa vontade de ‘amenizar’ os fatos – o protagonista é um adolescente que, aos poucos, vai descobrindo em si tendências homossexuais. O fato nem chega a ser um grande drama para ele, que abraça a descoberta com tranquilidade e crescente interesse. No entanto, assim que os pais ficam sabendo, o caos se instaura. E isso se dá, antes de mais nada, porque o pai (Russell Crowe) é um pastor evangélico que simplesmente não tolera esse tipo de coisa. Aos olhos dele, o filho está em perigo, seduzido por coisas erradas e dominado pelo pecado. Cabe, portanto, uma tentativa de resgate. E essa se faz sob a forma de uma internação em uma clínica de recondicionamento sexual. Nada mais, portanto, do que a tal ‘cura gay’.

É a partir desse ponto que um outro filme começa. Edgerton aparece como Victor Sykes, o homem que declara ser possível tal mudança – algo que, em tese não seria necessário dizer, mas em tempos sombrios como os que hoje enfrentamos nunca é demais reforçar, é impossível de ser feito, primeiro porque a homossexualidade não é um defeito, um ‘problema a ser corrigido’, e segundo porque organizações psiquiátricas e psicológicas de todo o mundo já publicaram estudos e análises mais do que suficientes que comprovam a ineficácia de tais métodos. Portanto, qualquer pessoa minimamente esclarecida sabe de antemão que, o que será visto nestes encontros nenhum efeito prático terá, resumindo-se a sessões de tortura psicológica e lavagem cerebral. Seria um filme-denúncia, portanto? Não chega a ir tão longe. Pois, mesmo com a ‘faca-e-queijo’ na mão, o cineasta procura assumir uma posição de mero observador – por mais contraditório que isso seja, uma vez que ele também está na cena – contentando-se em apenas reproduzir passagens descritas no livro, deixando quo espectador tire suas próprias conclusões, mesmo que o material apresentado não vá muito além de reforçar o óbvio.

A narrativa que interessa, portanto, em Boy Erased, é aquela que se dá no núcleo familiar, centrado nas figuras de Lucas Hedges, Russell Crowe e Nicole Kidman, esta como a mãe e esposa. Os três estão excelentes em personagens nada acomodados, e emprestam voz e discurso para um debate tão urgente que não pode ser ignorado – por mais que o retrato seja íntimo, no âmago deste trio familiar, ele é facilmente identificável por qualquer pessoa que já tenha enfrentado situação similar. O conjunto, entretanto, não favorece esta posição. Crowe tem apenas uma única cena digna de nota – o diálogo final com o filho, em que muito é dito, mas mais ainda é sentido – enquanto que Kidman, ainda que mais presente, pouco lhe é oferecida para ir além da condição de coadjuvante de luxo – a sequência de enfrentamento entre ela e Sykes parece ser o mais memorável dos seus momentos.

Ainda que o melhor de Boy Erased seja o lado humano da questão, Edgerton insiste em fazer das encenações institucionais o centro da sua atenção. O próprio Sykes, por exemplo, era uma figura que merecia ser melhor trabalhada, mas acaba ficando apenas na superfície. Por outro lado, abre-se espaço para outros colegas de internação, interpretados pelo cantor Troye Sivan ou pelo cineasta enfant terrible Xavier Dolan, ambos apenas vivendo versões ficcionais de suas próprias personas, sem acrescentar nada ao debate – soam como meras distrações, digamos. Assim, resta apenas a Lucas Hedges levar o filme inteiro nas costas, desviando de soluções um tanto clichês – como a tragédia que marca sua passagem pelo instituto – como também demonstrando maturidade ao atuar de igual para igual ao lado de nomes consagrados. Por ele, e talvez por uma questão de mera curiosidade pessoal, talvez todos os esforços aqui reunidos encontrem um espaço que os justifique. No mais, resta apenas o registro de um conto triste – ainda que de final feliz – porém não muito distante de tantos outros que volta em meia são descobertos pela mídia.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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