Crítica

O ano é 2012, próximo do período do réveillon. Cintia (Cinthia Rodriguez Paredes) é uma jovem cubana, residente em Havana, e como tantos moradores da ilha, se vê com uma dúvida com potencial de mudar sua vida. Nesta época, foi revogada a lei que obrigava os habitantes a pedirem permissão ao governo para deixarem o país. Enquanto alguns jovens resolveram debandar e tentar a sorte em outras paragens (incluindo o seu namorado), Cintia ficou para trás, ponderando o melhor caminho para seu futuro. Para ela, é necessária uma viagem interior, para buscar com propriedade a escolha mais acertada. Durante esta busca interna, a moça resolve empreender também uma jornada propriamente dita, visitando alguns pontos de Cuba que ela gostaria de conhecer – e reencontrar parentes queridos que há muito não via. Este movimento tem tudo para transformá-la e é exatamente isso que ela busca.

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Através retrata este momento de ebulição em Cuba, quando a população teve chance de escolher com maior liberdade seu futuro. A dúvida que Cintia mostra ter neste filme é a mesma que milhares de pessoas tiveram quando a abertura se deu. E o número deve ter aumentado ainda mais recentemente, quando Estados Unidos e Cuba finalmente reestabeleceram relações diplomáticas.

Curiosamente, quem conta a história deste momento cubano são três cineastas brasileiros: André Michiles, Diogo Martins e Fábio Bardella. Talvez até por isso o início do longa-metragem seja tão didático. Os cineastas sabem que nem todos conhecem o que se passa na terra de Castro e costuraram uma espécie de prólogo que dá informações necessárias para os mais desavisados. Um cineasta cubano, envolto mais intimamente com a questão, talvez não tivesse o mesmo distanciamento e percepção.

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O trio de diretores constrói em Através um filme de ficção com tintas de documentário. Cinthia Rodriguez Paredes tem uma atuação que beira o realismo, ainda que notoriamente tenha tido um roteiro e uma direção a serem seguidos. Em algumas cenas podemos observar um verdadeiro despojamento, com diálogos provavelmente criados na hora. A cena com os avós, por exemplo, soa bastante real – e talvez tenha sido, visto que os nonagenários são realmente parentes da atriz. Em outros, porém, é mais notável um script sendo seguido. A cena no restaurante e a forte sequência de abuso que a segue são óbvios exemplos disso.

Apesar de demonstrar certa falta de coesão, visto que podemos notar os momentos de maior liberdade com os que são mais “roteirizados”, isso acaba não jogando tanto contra o filme. Talvez não incomode por causa da performance da protagonista, que se mostra uma figura interessante de se acompanhar. Não é difícil se colocar no lugar dela. E os caminhos pelos quais ela percorre nos fazem refletir sobre a situação não só dos cubanos, como de nossa própria aldeia.

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É verdade que o filme poderia ser um pouco menor, visto que os mais de 100 minutos de duração se mostram um tanto exagerados, com algumas barrigas desnecessárias aqui e ali. Entendemos que a moça está à deriva e a narrativa, por vezes, espelha este sentimento. Mas reforçar isso demasiadas vezes esvazia o efeito. Por outro lado, do segundo para o terceiro ato temos reviravoltas que reacendem a atenção do espectador e acabam indo além do que parecia ser a trama primária, mostrando uma realidade brutal que milhares de mulheres já passaram – ou temem passar. Uma pena que, diferente do primeiro e do segundo atos que dão tempo ao tempo para o seu desenrolar, o final seja abrupto e não aproveite a pleno as discussões que poderiam ser geradas com o desenvolvimento desta parte da história. Um filme imperfeito, mas com pontos altos que justificam não só sua feitura como uma conferida de perto.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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