Crítica

Desde A Noite dos Mortos-Vivos (1968), de Romero, os zumbis devoradores de carne humana como os conhecemos hoje se disseminaram na cultura popular, sendo atualmente um dos subgêneros mais explorados através das mídias. Porém, apesar de seu óbvio potencial como protagonistas de histórias de terror, foi no contexto filosófico que encontraram sua maior força. Desde Zombie: O Despertar dos Mortos (1978), também de Romero – e que não deixa de ser um exemplar de horror – as infestações amplamente retradas no cinema ganharam um contexto mais metafórico, sempre usando a desumanização da população para discutir a sanidade social dos sobreviventes. Não que filmes que apostem apenas no trash e nos exageros típicos de produções B não possam ser bons, como comprova o absurdo e divertidíssimo Fome Animal (1992), de Peter Jackson (!). O que nos leva a este Antissocial, cuja proposta parte do princípio de usar uma epidemia “zumbi” para discutir um problema social da atualidade. No caso, a dependência do indivíduo urbano em relação às redes sociais. Mas falha ao impregnar com desnecessária seriedade e drama um projeto cuja natureza inusitada e caricata pedia por uma abordagem descontraída no estilo de um Sam Raimi, por exemplo.

Presos em uma casa durante uma festinha de ano-novo – data que não se mostra relevante de maneira alguma para a trama – cinco jovens (olhem O Segredo da Cabana, 2012) passam a se enfrentar à medida que se tornam infectados violentos, tentando no processo descobrir qual a relação entre a doença e uma famosa rede social que todos parecem usar. Claro que o site de relacionamentos é uma alegoria ao próprio Facebook, e uma vez que se trata de um projeto que se leva a sério, a ideia dos personagens acompanharem a progressão do pânico através de postagens na internet – que inclusive chegam a incluir as últimas mensagens de adeus escritas por pessoas infectadas e ainda lúcidas – é não só verossímil, como por isso mesmo, mais assustadora do que os próprios monstros em que se transformam os autores destes textos.

Antissocial, porém, logo envereda para uma explicação que não condiz com o tom de sobriedade antes estabelecido. Se a cena envolvendo uma infectada enrolada em lampadinhas de Natal já fugia um pouco de sua abordagem, ainda que divertisse pela inventividade, quando chegamos ao ponto em que é dito que o vírus é transmitido através de um link online a produção desiste completamente da função de crítica social e passa a ser uma teoria paranoica mal desenvolvida. Nada é explicado direito, embora o filme pareça se esforçar para tal, e o clímax não passa de uma tentativa tola de chocar pelo impacto visual, sem perceber que lida com um público já amadurecido pela torrente de filmes violentos lançados a cada ano.

Não há sequer um personagem original ou mesmo interessante. Com exceção de Adam Christie, todos apresentam uma nulidade de performances que torna ainda mais difícil a existência de tensão na trama. A protagonista vivida por Michelle Mylett, por exemplo, a princípio surge abatida devido ao término recente de seu namoro, até que descobrimos que a expressão sonolenta é apenas o modus operandi de sua intérprete. Afinal, o que Antissocial pretendia discutir? O projeto claramente põe em pauta a questão do isolamento social provocado justamente pela maior quantidade de possibilidades de as pessoas de aproximarem através da tecnologia, mas parece não saber como discutir o tema, gritando-o de forma infantil e incomodativa nos ouvidos do espectador. O que, provavelmente, para aqueles do lado de cá da tela, fará da experiência de se assistir ao filme não uma abertura para a discussão desse problema atual, mas um post online compartilhando com todos sua insossa investida cinematográfica do dia.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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