A Promessa
Crítica
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Sinopse
Roger e seu pai ganham a vida alugando apartamentos para imigrantes ilegais. Porém, um dia, quando um inspetor do governo aparece de surpresa, um dos seus "clientes" se fere gravemente tentando se esconder. No leito de morte do homem, Roger promete ao homem que cuidará de sua família, contrariando a política de seu pai.
Crítica
Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne têm uma visão de cinema humanista voltada à introspecção e à análise de seus personagens. Na maior parte das vezes, estes são das classes menos abastadas de uma Europa em que a lógica de mercado consome os que precisam viver com pouco ou quase nenhum ganho mensal. No caso de um de seus primeiros longas, A Promessa, é a vida dos imigrantes ilegais que surge com foco a partir da visão de seus exploradores. E será a culpa que um deles sente o grande motor desta narrativa que cutuca a ferida não apenas do Velho Continente, mas de toda a sociedade capitalista.
É nesse contexto que conhecemos Roger (Olivier Gourmet) e seu filho de 14 anos, Igor (Jérémie Rénier). Os dois são apenas uma pequena parte de uma grande rede que tem como lucro transportar imigrantes africanos, asiáticos e do leste europeu para uma terra em que muito é prometido, mas, é claro, pouco será cumprido. O trabalho oferecido a eles é braçal e com sérios riscos de segurança. Ainda sem garantia de boa saúde, essas pessoas são iludidas com falsos vistos de permanência. A maior parte, feita pelo próprio adolescente. Porém, é justamente com a morte de um de seus “protegidos” que Igor começa a despertar uma consciência que parecia nem existir.
Amidou (Rasmane Ouedraogo) cai de um andaime em meio à construção de uma casa. O garoto, sem ter como fugir daquela situação, se compromete a cuidar da família do quase falecido. O pai quer se livrar do corpo para que a mulher dele, sem concessões de termos, “não encha o saco”. Mas e a consciência de Igor, como fica com isso tudo? Os irmãos Dardenne já injetam seu estilo, tão conhecido hoje, desde esta grande obra, fazendo com que o espectador reflita com o próprio protagonista sobre suas ações e como elas movem o mundo – seja de forma egoísta ou humanista. Seu pai é a pessoa que ele mais conhece e o próprio não é nada mais que alguém interessado em lucros do que nos outros, inclusive no próprio filho.
Por essas razões é ainda mais interessante acompanhar a trajetória emocional de Igor, um garoto sem o amor devido da figura paterna e criado sob a ótica materialista do lucro a qualquer custo. Vale ressaltar que esse não é um retrato maniqueísta, com questões tão centradas no preto ou no branco. Muito pelo contrário. O pai não é o grande vilão, os trabalhadores não são reles coitadinhos e, especialmente, Igor não é um grande herói. A narrativa minimalista pende para todos os lados, como qualquer ser humano em dúvida sobre até onde vai sua pretensa moralidade.
Será na convivência com a esposa do morto e seu bebê que o garoto realmente vai começar a questionar tudo à sua volta, especialmente seu pai e a si mesmo. Ao conhecer a realidade nada glamorosa dos imigrantes no dia a dia, muito além da já escassez de recursos destinados ao seu trabalho, é que Igor pode começar a tentar entender o outro como pessoa, não na condição de simples mercadoria, algo que sempre foi instruído a pensar. Assim, os Dardenne atestam, já de cara, que usam a sétima arte como voz de protesto e não como mera narrativa pseudointelectual. Com um discurso forte por trás de cada tomada, eles mostram que não é preciso grandes inovações na linguagem para se contar uma boa história com fundo político e social. Lição que, de 20 anos para cá, muito cineasta ainda precisa compreender, sem cair na pieguice ou no discurso raso.
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