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Sinopse

No Afeganistão, um herói de guerra em estado vegetativo, após um acidente em que levou uma bala no pescoço, é abandonado pelos companheiros do Jihad e por seus irmãos. Sua mulher o observa em um quarto decadente e começa uma confissão solitária, falando sobre sua infância, seus sofrimentos, sua solidão e seus sonhos. Por meio de suas palavras para o marido, ela procura um caminho para recomeçar a vida.

Crítica

Jean-Claude Carrière é um dos maiores nomes do cinema universal. Vencedor do Oscar pelo curta-metragem Heureux Anniversaire (1962), foi indicado ainda três vezes pelos roteiros que escreveu para os clássicos O Discreto Charme da Burguesia (1972) e Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977), ambos de Luis Buñuel, e por A Insustentável Leveza do Ser (1988), de Philip Kaufman. É também ator – apareceu recentemente no fantástico Cópia Fiel (2010), de Abbas Kiarostami – e realizador, porém essas são atividades mais esporádicas. Já com mais de 80 anos e com uma produção cada vez mais espaçada, toda notícia de um novo trabalho seu merece ser comemorado com expectativa e ansiedade. Exatamente o que aconteceu em relação ao interessante drama A Pedra de Paciência, que ganhou às telas sob a direção do cineasta afegão Atiq Rahimi.

Com a experiência e sabedoria que somente o tempo proporciona, Carrière não demonstra pressa alguma em traçar os elementos básicos do enredo de A Pedra de Paciência. Em cena, temos uma mulher jovem – a bela e talentosa Golshifteh Farahani – enclausurada em sua própria casa. Estamos em uma cidade quase abandonada no interior do Afeganistão, vítima constante de ataques terroristas que destruíram praticamente tudo ao redor. Como única voz ativa da casa – possui somente duas filhas menores – dedica todo seu tempo a cuidar o marido entrevado, em coma desde que foi atingido por uma bala na nuca após uma discussão de rua. E como todas as outras mulheres da região, precisa estar sempre escondida, ou sob muitos panos ou atrás dos muros de sua residência. Mas o dinheiro está acabando, os parentes já lhe abandonaram, e uma solução precisa ser tomada. Afinal, sobreviver não é uma questão de escolha.

Um caminho aparece quando um soldado aparece na casa e, ao se confrontar com a proprietária, acaba estuprando-a. Porém, menos do que uma ação violenta, o encontro dos dois abre portas para um relacionamento positivo para ambos. Ele é um jovem desajeitado, gago e muito cru. Ela, por sua vez, já sofreu muito, nunca teve prazer no sexo, e vê no rapaz a oportunidade não só de ensiná-lo a ser homem, mas também a crescer como pessoa. E os dois passam a ter aulas juntos, ela mostrando-o como ter – e como proporcionar – desejo, gozo e satisfação mútua. Tudo, é claro, sendo devidamente pago por ele. Mais do que abraçar a prostituição, ela aprende a jogar com o que está a sua disposição, fazendo uso destas condições a seu favor.

E quanto ao marido, sempre deitado e de olhos abertos, porém incapaz de se mover ou mesmo proferir qualquer som? Ele se torna a pedra de paciência do título, aquele com quem ela finalmente consegue estabelecer uma relação, abrindo-se em seus segredos, sacrifícios e dores. Cada vez mais sem esperança de tê-lo novamente como um dia ele foi, a esposa vai se liberando aos poucos, mostrando-se dona do próprio destino e abrindo mão de medos e vergonhas, dando espaço para uma presença feminina que nem mesmo o país está pronto para enfrentar, mas que precisa sair destes escombros que os cercam e ganhar voz e relevância. Exatamente como acontece naquela casa quase destruída, porém dona de uma força insuspeita.

Golshifteh Farahani nasceu no Irã, e após vários trabalhos em sua terra natal, foi descoberta pelo cineasta Ridley Scott, que lhe chamou para o thriller Rede de Mentiras (2008) – e a parceria entre os dois será repetida em breve em Êxodo: Deuses e Reis (2014), a ser lançado no final deste ano. Depois atuou sob o comando de diretores como Asghar Farhadi (À Procura de Eli, 2009), Roland Joffé (Segredos da Paixão, 2011) e Rachid Bouchareb (Simplesmente uma Mulher, 2012). Porém nunca teve uma oportunidade como esta vista em A Pedra da Paciência, em que literalmente carrega o filme nas costas, com eficiência e muita habilidade. Tal desempenho foi reconhecido no César – indicada como Atriz Revelação – e premiado no Festival de Gijón, na Espanha. Considerações à altura de um filme que conquista com seu desenrolar, sem atropelos ou avanços desordenados, mas com tranquilidade e bastante segurança.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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CríticoNota
Robledo Milani
7
Francisco Carbone
6
MÉDIA
6.5

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