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Sinopse

Narra a história de Santinho, um jovem rapaz que ganhou status de santo na remota comunidade em que vive no estado do Amazonas ao realizar um "milagre" depois do suicídio da mãe. O filme faz um retrato intimista diante da capacidade humana de "fabricar" a fé e busca algum sentido na terrível experiência da morte.

Crítica

Um dos longas brasileiros mais interessantes e perturbadores de 2008 chegou aos cinemas com mais de um ano de atraso. A Festa da Menina Morta, que marca a estreia como cineasta do também ator Matheus Nachtergaele, é tudo e mais um pouco do que se poderia esperar de um artista como este: um verdadeiro soco no estômago, contundente em seu discurso e emocionalmente belo em sua sensibilidade. O realizador teve ainda a sabedoria – ou seria sorte? – de escolher um elenco absurdamente entregue em seus personagens e uma equipe técnica que compreendeu perfeitamente as intenções motivadoras. Ou seja, estamos diante de um feliz caso da soma de vários fatores que resultam em algo ainda mais empolgante do que os valores de seus membros isolados. Um feito e tanto.

Exibido pela primeira vez durante a mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes do ano passado, A Festa da Menina Morta despertou atenções e curiosidades desde o início da sua produção. Na verdade a ideia do projeto nasceu anos atrás, quando Nachtergaele filmava O Auto da Compadecida (2000) e se deparou pela primeira vez com a história que agora conta. O que mudou foi o cenário – do sertão da Paraíba para as comunidades ribeirinhas do interior da Amazônia – mas a essência permanece a mesma. A trama se passa em torno de Santinho, um rapaz que é considerado milagroso por ter recebido, em suas mãos, após o suicídio da mãe, trazidos pela boca de um cachorro, os restos do vestido de uma menina há muito desaparecida. Como ela jamais foi encontrada, estes trapos manchados de sangue passaram a ser adorados como sagrados, dando início a uma tradição que é relembrada em festa anualmente. Tudo isso ocorre a despeito do sofrimento do irmão da garota, ao mesmo tempo em que o milagreiro afirma receber mensagens da vítima, que são sempre revelados no auge das comemorações.

Se Nachtergaele se sai muito bem neste difícil desafio por ele mesmo imposto, outros são também merecedores de aplausos. Daniel de Oliveira vem construindo uma carreira surpreendente, e aqui nos oferece outro grande desempenho, intenso e arrebatador, confirmando-se como um dos maiores intérpretes nacionais da sua geração. Cássia Kiss, mesmo aparecendo poucos minutos, domina completamente a cena, numa performance hipnótica. O gaúcho Juliano Cazarré pode ser novato no ofício e ainda não muito conhecido, mas é um nome para ser guardado com cuidado. Seu desempenho aqui é revelador e merecedor de elogios dignos de veteranos. Jackson Antunes e Dira Paes completam este bom conjunto, em atuações igualmente bem sucedidas. Outros pontos de destaque são a fotografia claustrofóbica e angustiante de Lula Carvalho, que colabora muito na criação de um sentimento geral de desespero e esperança, a direção de arte discreta e eficiente de Renata Pinheiro e o roteiro muito bem amarrado escrito pelo próprio diretor em parceria com Hilton Lacerda.

A Festa da Menina Morta foi um dos grandes vencedores do 36º Festival de Gramado, tendo ganho os kikitos de Melhor Ator (Daniel de Oliveira), Fotografia, Música, Prêmio Especial do Júri, Melhor Filme segundo a Crítica e também pelo Júri Popular. Foi premiado ainda no Festival de Chicago (Melhor Filme – Novos Diretores), Festival do Rio (Direção e Ator), Festival de Cinema Luso-Brasileiro (Ator) e no Festival de Cinema Brasileiro de Los Angeles (Fotografia e Roteiro). Uma carreira extremamente bem sucedida que coroa com louvor um trabalho assumidamente autoral e sem concessões, corajoso ao tocar temas como incesto, religiosidade e violência, e ainda assim completamente eficiente em sua comunicação com um público inteligente e perspicaz, capaz de reconhecer a verdadeira arte quando em seu encontro. Uma obra acima da média, que merece não apenas ser descoberta, como também intensamente valorizada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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