Bruna Lombardi tem um caso de amor com Porto Alegre e com o Rio Grande do Sul, desde os anos 80, quando foi eleita musa do eterno poeta Mário Quintana. Há alguns anos afastada da televisão, tem sido no cinema que tem encontrado cinema para viajar pelo Brasil e retornar ao sul. Meu primeiro encontro com ela foi em 2008, quando veio lançar O Signo da Cidade. Agora, três anos depois, estivemos juntos para falar de Onde está a felicidade?, mais uma parceria com o marido Carlos Alberto Riccelli – ela como roteirista e atriz, ele como diretor, os dois como produtores. E mais uma vez o que ficou evidente foram suas paixões: pela família, pelo Brasil e, principalmente, pelo cinema.

 

Qual é o público de Onde está a felicidade? ?

É um filme para todos os públicos, e não só de um gênero. Algo que está me deixando muito feliz é a cumplicidade masculina, isso está sendo uma verdadeira surpresa. É um filme bem abrangente.

 

Qual a importância de viajar pelo país promovendo o lançamento do filme?

É fundamental! Em Porto Alegre, por exemplo – ninguém da distribuidora queria que viesse pra cá! O Rio Grande do Sul não assiste aos filmes brasileiros! É o estado com os menores retornos de bilheteria do cinema nacional de todo o país. Mas isso, ao invés de me desestimular, pelo contrário, me impulsiona! Tenho um caso de amor com Porto Alegre, com o Rio Grande do Sul. Venho pra cá sempre que posso, adoro estar aqui, essa cidade. É um lugar de muita memória emocional pra mim, e sempre acontece algo de bom, de mágico quando estou aqui. E o público gaúcho é inteligente, sofisticado, então por que não gostariam do nosso filme? Se aqui tem essa fama, talvez seja porque os filmes anteriores não eram tão bons!

 

Qual o diferencial do cinema brasileiro?

Eu não acredito em cinema brasileiro, em cinema latino, em cinema americano, em cinema europeu. O que existem são filmes bons e ruins, e eles podem ser iranianos, chineses, podem ser de qualquer lugar! Filme que é bom o é independente de nacionalidade, assim como uma pessoa pode ser legal ou não independente de onde vem, da sua sexualidade ou se é alta ou baixa. As características não precisam ser rotuladas. Nem por gênero, nem por preferência sexual, nem por nacionalidade, por aparência física, nada disso.

 

O Signo da Cidade, o teu filme anterior como atriz e roteirista, era uma história que poderia se passar em qualquer lugar do mundo, pois o que importava eram os personagens. Com o Onde está a felicidade? é a mesma coisa ou ele tinha que ser feito na Espanha?

Pois então, o Signo era universal, mas o Onde está a felicidade? pedia pela Espanha, pelo Caminho de Santiago de Compostela – que só existe lá, é único no mundo, é um lugar ícone dessa busca, dessa transformação, desse rito de passagem – e também pelo humor que a gente imprimiu ao filme. O Signo provocava o choro, emocionava, e isso ultrapassava fronteiras. Em Moscou, em Londres, em Tel-Aviv, em todos os lugares onde apresentamos o filme foi a mesma coisa. E percebendo isso, pensei: “bom, já que fizemos tanta gente chorar, vamos agora fazê-las dar muitas risadas”. A nossa ideia com o Onde está a felicidade? é equilibrar, fazer todo mundo rir muito.

 

São dois filmes que se complementam. Era essa a intenção?

Um bom filme é sempre catártico. Acho que O Signo da Cidade não tem fãs, e sim devotos. Ele é um filme denso, intenso, e não é todo mundo que quer embarcar nessa viagem. Mas quem decide ir não se arrepende. As pessoas se comovem e choram com o filme, mas para o bem. O efeito é muito bom. A proposta do Signo era fazer todo esse bem. Já a proposta do Onde está a felicidade? é distribuir a alegria. Tudo o que a gente queria era fazer que as pessoas saíssem do cinema mais felizes.

 

Como foi a passagem pelo Festival de Paulínia?

Nós ganhamos o prêmio de Melhor Filme segundo o Júri Popular, de acordo com o público, e esse é o reconhecimento mais importante que um cineasta pode desejar – agradar a audiência. Lá todas as sessões são gratuitas, abertas à população, e a primeira exibição do filme agradou tanto que foi necessária uma sessão extra. Todo mundo saiu do cinema melhor, mais feliz, e eu pensei “pronto, missão cumprida”.

 

Como nasceu o filme Onde está a felicidade??

De uma vontade de se comunicar. A nossa proposta não era especificamente ter mais público, e sim fazer algo que fosse fiel a uma ideia, que é a busca pela felicidade. A crise da protagonista e todas as mensagens que surgem pelo caminho dela refletem isso.Todos os meus roteiros são compostos com muitas camadas, porque acho que nós somos pessoas multifacetadas. Gosto de filmes que tragam muitos assuntos, que não se contentem com apenas um foco.

 

Como está sendo a recepção do público nessas primeiras exibições?

Eu simplesmente adoro cada pré-estreia. Quando terminam, os espectadores chegam até nós para dizer que nunca riram tanto no cinema. Tivemos há pouco o lançamento do filme no Rio, para artistas e colegas, e até eles riram do início ao fim, com muitos aplausos. E depois ainda nos dizem que, apesar de todos os risos, foram para casa pensando no que tinham visto, pois havia muito o que refletir. E adorei ouvir isso, deu a certeza de que havia me comunicado. Isso é o máximo, porque quando a gente faz um filme não sabemos o que vai acontecer, como irão reagir. Não sabia se iriam rir. E riram, e estão rindo, e muito.

 

O que tu acha dessa tendência do cinema brasileiro atual em querer fazer rir?

Eu não sei, porque não assisti a nenhum desses filmes recentes. Eu não vi os dois Se Eu Fosse Você, não vi o Cilada.com, nem o De Pernas Pro Ar, nem o Muita Calma Nessa Hora, nem esse do Carvana, o Não se preocupe, nada vai dar certo. Eu tava trabalhando, não tive tempo. Mas o que posso dizer, pelo que já me falaram, é que o nosso é muito diferentes de todos esses. É um outro espírito. Não é fazer rir pelo nada. O que quero é fazer que esses personagens existam de verdade, e por acaso são personagens que fazem rir. O riso, pra mim, é uma consequência, não uma meta. O que a gente tem escutado é que elevamos o patamar da comédia nacional com esse filme.

 

O que Onde está a felicidade? oferece de novo?

Nossa, muita coisa! É uma superprodução, co-produzida por dois países, com cenários e temas inéditos – você nunca viu antes um filme sobre o Caminho de Compostela! São tantos cenários e belezas inéditas, que o público viaja junto, é transportado conosco. Vai pro Piauí, até a Serra da Capivara, onde mostramos aquelas espetaculares inscrições rupestres, as mais antigas do mundo – acredita que elas nunca haviam sido mostradas no cinema antes? Nós temos esse patrimônio da humanidade dentro do nosso país e ninguém sabia!

 

E como foi a escolha por esses cenários? De onde surgiu essa ideia de co-produção com a Espanha?

Isso é roteiro. Eu tinha tudo muito claro na minha mente desde o início, tinha certo que queria ir para o Caminho de Santiago de Compostela. Faço tudo antes, co-produzindo e escrevendo o roteiro, pra que na hora da filmagem possa esquecer de tudo e só me concentrar no meu papel como atriz. É quando construo minha personagem, estudando o texto do zero, como qualquer outro do elenco. Não importa que tenha sido eu mesma que escrevi, ali na hora de atuar é tudo novo pra mim. Até esquecer o texto às vezes acontece comigo.

 

Como foi a escolha do elenco?

Nasceu também junto com o roteiro. Escrevi o personagem do Nando para o Bruno Garcia. Ele chegou e me agradeceu pela escolha, disse que nunca havia feito nada parecido no cinema. Quando a gente fez o convite e enviou o roteiro, ele achou que a gente tinha se enganado, que o papel dele seria o do Zeca. Segundo ele esse seria o tipo de papel que estaria acostumado. E apostamos no contrário, em algo novo, e ele adorou. É um personagem mais contido, na procura, com toda uma teia de delicadezas que exigiu um esforço novo dele pra compor o que era pedido. Já o Marcelo Airoldi foi casting, a gente viu um teste dele na produtora e a escolha foi unânime, hoje não consigo imaginar outra pessoa fazendo o Zeca.

 

No Signo da Cidade, que era o que podemos chamar de filme-coral, com várias histórias e personagens paralelos, tu era mais uma dentre tantos. Aqui não, tu és a protagonista absoluta. Muda muito a responsabilidade?

Como na vida inteira fiz a heroína da novela, nunca me passou pela cabeça isso de ser mais ou menos responsável. Não existe grande o pequeno papel, existe bom papel. Você é que dá o tamanho dele, o resto é tudo relativo. Escrevo para os atores, pensando no profissional. Quero que todo mundo entre no filme pra brilhar. Veja só o caso da Maria Pujalte, que ganhou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante em Paulínia! É o terceiro prêmio de atuação que um filme roteirizado por mim ganha, e isso me dá um orgulho enorme! Parece que são os meus filhos ganhando! O Juca de Oliveira e o Luis Miranda foram premiados pelo Signo, e agora a Maria pelo Onde está a Felicidade?. Isso me deixa muito feliz.

 

Tem muita diferença público de festival para quando o filme entra finalmente em cartaz no circuito comercial?

Ah, é tudo gente, né? O que a percebemos lá em Paulínia, no entanto, é que era um público animadíssimo! Eles aplaudiram o filme do começo ao fim. Acredito que durante as sessões isso não vá acontecer (risos). Mas independente de quem esteja assistindo, a expectativa nossa, realizadores, é a mesma.

 

Tu já havia feito o Caminho de Santiago de Compostela?

Não, nunca havia ido pra lá. Mas sempre quis muito. E durante o filme a gente acabou percorrendo o caminho inteiro seis vezes! Fizemos primeiro uma etapa para conhecer, e depois nas filmagens íamos e voltávamos o tempo todo. Até brinco agora que posso virar guia.

 

E a emoção do trabalho realizado, ainda mais num lugar tão místico?

Tem sido muito especial, desde o início. Foi um desafio gigantesco. Passamos por milhares momentos mágicos nesse processo. As filmagens aconteceram em dois países, consumiram seis meses, são imagens grandiosas… um verdadeiro road movie, com mais de trezentas locações. Foi um passo muito gigante. Entre brasileiros e espanhóis a equipe tinha mais de trezentas pessoas. E a co-produção com a Espanha, felizmente, saiu muito fácil, bastaram ler o roteiro para quererem participar. A co-produção é um caminho necessário para o cinema brasileiro. Nós temos bons roteiristas para isso, precisam agora ser notados.

 

Como foi a participação do teu filho, o Kim, no filme?

Pois então, mais uma vez não contraceno com ele. No Signo da Cidade os nossos personagens nem se cruzam, não temos nem um momento juntos. E agora ele fez só uma participação carinhosa, por instantes. Foi muito rápido. Não calhou de nos encontrarmos. E adoro o trabalho dele. Nunca arriscaríamos uma produção desse tamanho com um personagem para ele se fosse somente nosso filho. O Kim é muito bom, e tenho muito orgulho dele. Ele é um super profissional, e o elenco inteiro respeita muito o trabalho dele.

 

E trabalhar com o Riccelli?

É um sonho, a família inteira reunida. E o Ri, além de dirigir, também escreveu várias canções da trilha sonora. Ele escreveu a música do Gilberto Gil, a do Arnaldo Antunes, a da Adriana Calcanhoto e a canção “Tu Ojos”, que também interpreta. Letra, música e voz. É lindo, e foi uma enorme surpresa. Em o Signo da Cidade já tínhamos nos aventurado assim, fiz a letra e o Ri a música da canção que o Caetano Veloso cantava. Mas agora ele quis fazer tudo, e ficou ótimo.

 

Qual é a tua relação com o cinema?

Eu venho de uma família de cinema. Meu pai, minha mãe, todos trabalhavam com cinema. Eu cresci no meio de latas de filmes. E sou também uma cinéfila, vejo tudo o que posso. Eu adoro. É um privilégio poder fazer cinema, é difícil, é um trabalho que envolve todas as artes. O cinema é abrangente, faz de tudo. Quando fazemos um filme, trabalhamos com todas as formas de manifestações artísticas juntas, combinadas. E também é um trabalho de equipe, não se faz nada sozinho. Tudo é em função de alguma coisa que será feita. Todo mundo é fundamental. Todos são importantíssimos. A hierarquia do cinema é fundamental. O diretor tem que reger essa loucura, ele que dará o tom da obra, mas cada um tem sua relevância. E o Ri é assim, muito calmo, sem stress. É um ótimo diretor, todo mundo trabalha com ele muito contente, isso é o principal.

 

E tu te divertiu fazendo esse filme?

Nossa, demais! Cada dia traz um desafio pra ser resolvido em uma produção desse tamanho. E a cada dia a gente tem a enorme satisfação por vencer mais uma barreira. O cinema é um constante, uma mutação de problemas que se resolvem. E o momento pleno de felicidade é quando vemos a platéia rindo, se divertindo.. Esses instantes são impagáveis.É quando temos certeza que chegamos ao final de uma trajetória. E ali, é dentro da sala de cinema onde está a felicidade!

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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