O cineasta André Ristum é brasileiro, mas passou a maior parte de sua vida no exterior. Durante anos morou na Itália, acompanhando o pai, Jirges Ristum, que foi assistente de direção de diretores como Bernardo Bertolucci e Glauber Rocha. André estava sempre por perto, nos sets de filmes como Luna (1979), O Último Imperador (1987) e Beleza Roubada (1996). Ou seja, muito do que aprendeu foi na prática, ao lado dos melhores. De volta ao Brasil desde 1996, trabalhou em diversos curtas, documentários e produções para a televisão. Meu País é sua estreia em longa-metragem, e num trabalho que já chega impondo respeito: estrelado pelos globais Rodrigo Santoro, Cauã Reymond e Debora Falabella, foi selecionado para os festivais de Paulínia e de Brasília, sendo premiado nesse último como Melhor Filme segundo o Júri Popular. André Ristum encontrou a imprensa em São Paulo dias antes da estreia nacional de Meu País ao lado do astro Rodrigo Santoro e do produtor Fabiano Gullane para conversar sobre essa experiência e sobre seus próximos projetos na tela grande.

 

Como foram as filmagens de Meu País? Em cena vemos a Itália e São Paulo, mas muito foi feito em Paulínia, cidade que apoia o filme, certo?

Nós começamos por São Paulo, mesmo. Foram dez diárias em vários lugares da capital, cidade onde a maior parte do filme é ambientada. Foi quando fizemos as externas, para compor o visual. Já a casa da família e todas as internas foram feitas no interior, nos arredores de Paulínia, onde ficamos por quase três semanas. Isso tudo aconteceu no final de 2009. Já em 2010 fomos para Roma, onde filmamos o começo do filme. Ou seja, o início foi a última coisa a ser filmada. Isso é cinema, né? E durante as filmagens foi quase como uma família, tivemos muitos ensaios. O Rodrigo e o Cauã estavam o tempo todo juntos, justamente para se conhecerem melhor, bem naquela coisa ‘irmão mais velho, irmão mais novo’. A Debora só foi chamada mais tarde, quando todos já estavam juntos. E isso foi proposital. Ela chegou para ensaiar dois ou três dias antes das cenas dela serem filmadas, justamente para criar esse estranhamento, refletindo entre os atores o que iria acontecer com os personagens. Nós montamos um cronograma de filmagens que valorizava muito também a dramaturgia do filme, que possibilitou esse tipo de situação.

 

Qual foi a inspiração para Meu País?

A origem dessa história veio da minha própria vida. Eu nasci e cresci na Itália, e essa questão do cidadão que mora fora, distante da sua família e das suas raízes, sempre foi muito presente em mim. Era algo que sempre me coloquei: “de onde pertenço?”. Qual é o meu país, e quando digo país falo das origens, da família, das raízes. Pra quem nasceu e viveu em um país único talvez seja um pouco difícil de entender essa busca, mas quem sempre esteve dividido, nem lá nem cá, estrangeiro em qualquer lugar, sabe do que estou falando. Essa é uma sensação muito forte. Isso começou lá pelos meus quinze anos de idade, e durante um bom tempo me incomodou bastante. Hoje em dia já sou bastante enraizado no Brasil, felizmente, e este é um assunto resolvido na minha vida. Foi essa jornada, para entender de onde você vem, que foi o ponto de partida do filme. Queria contar a história de alguém que vem de fora para encontrar, para descobrir sua família e a si mesmo. Claro que a trajetória do Marcos, o protagonista, é bem diferente da minha, mas ambas possuem esse ponto em comum, a mesma inspiração, e isso era fundamental.

 

Como foi a seleção do elenco?

Para mim se tratava, desde o princípio, de um roteiro de personagens. Era um filme de atores. Não há cenas mirabolantes, perseguições, tiros, nada disso. Só o elenco e suas falas, com suas emoções. Pra mim era fundamental contar com um grupo de intérpretes talentosos que pudessem acrescentar no set de filmagem. A busca foi essa, e não de poder contar com alguém mais ou menos ‘global’. Esses eram os atores que eu via nos personagens que havia criado e cujo trabalho admirava. Tive muita felicidade em contar com todos os atores que eram a minha primeira opção. Para isso há muito a se agradecer também ao Fabiano Gullane, produtor, que nos possibilitou um trabalho exaustivo no roteiro. Foram quase dois anos reescrevendo o material, até que chegamos a um resultado bastante consistente. Isso foi fundamental para convencermos esses atores a estarem do nosso lado. Afinal, o produtor é muito reconhecido, mas o diretor é um estreante (risos). Claro que é importante termos atores reconhecidos e importantes em nosso elenco, mas estas decisões foram tomadas pelo coração, o nosso, ao fazer o convite, e o deles, ao aceitarem.

 

Não sabemos muito nem sobre o passado, nem sobre o futuro dos personagens. Essa era a intenção, de apenas fazer um registro de um momento destas vidas?

Exatamente. Discutimos muito sobre isso na fase de construção do roteiro, sobre o que poderia ou não ser mostrado. Aos poucos fomos nos dando conta que o importante era ver o momento, aquelas relações e como uma nova situação afetaria a vida de todos. Aos poucos fomos limpando e limpando o roteiro, até nos ensaios com os atores, tirando tudo que era desnecessário – uma informação, um diálogo. Tem muito que nós, realizadores, sabemos sobre os personagens, mas que não é dito em cena. Não é explícito, mas está dentro do personagem e vemos nas atitudes deles. A intenção era mesmo ser um recorte, desde o princípio. O arco narrativo é muito claro, o que temos em cena é uma família que no começo está aos pedaços, totalmente dividida, e que no final se reencontrou, está unida novamente. Como isso aconteceu é do que se trata o filme, e o que acontece depois a gente vê amanhã. O importante para nós era aquele momento específico.

 

Como foi o processo de transformar Meu País em realidade?

Isso se deve principalmente ao trabalho que há um bom tempo venho desenvolvendo ao lado da Gullane Produções. O Fabiano e o Caio Gullane estão há anos no mercado, já trabalharam nas mais diferentes produções, e entre parcerias internacionais e diretores consagrados, sempre tiveram um olho atento aos novos talentos, em abrir oportunidade a novos realizadores. Foi assim que me aproximei deles. Antes do Meu País nós trabalhamos juntos em dois curtas-metragens. E ainda antes disso, durante um bom tempo, trabalhei na área internacional da Gullane, ajudando na seleção de projetos. Nossa relação é muito próxima. Quando apresentei o projeto do Meu País, logo ficou claro que era para mim muito pessoal, verdadeiro, de muito coração, e este é o tipo de material que a Gullane sempre buscou. Claro que ao longo desse trabalho muitas coisas foram alteradas, isso é natural. Tudo vai mudando, adaptando, mas sempre na busca de encontrar algo que fique harmônico.

E qual a tua avaliação do resultado final?

Sou extremamente satisfeito com o resultado. Fiquei muito feliz com todas as parcerias realizadas, com o diretor de fotografia, com a diretora de arte, com o montador, a equipe de som… todos profissionais super qualificados que me ajudaram nas mudanças, nas alterações, para fazer desse o melhor filme possível. O ensinamento que adquiri depois desse filme é que realmente você deve estar sempre aberto. Fui assistente de direção do Bernardo Bertolucci certa vez, e uma coisa que ele sempre dizia era uma frase de Renoir: “deixe sempre uma porta aberta no set pois é aí que a vida irrompe no filme”. Então é isso, a gente sempre estava aberto para algo que viesse de fora e possibilitasse uma mudança para melhor.

 

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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