Ao digitar a expressão “futebol” no site IMDb, o maior banco de dados online sobre cinema, as dez primeiras citações são de programas de televisão ou documentários. Seria um engano de programação ou apenas um reflexo do descaso que a sétima arte tem em relação ao esporte mais popular do planeta? Em ano de Copa do Mundo, não é raro vermos o primo Futebol Americano ocupar destaque de honra em sucessos de público e crítica – como a terrível cena de destruição em pleno jogo vista em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012) – mas aquela prática tão bem conhecida pelos brasileiros, com onze jogadores de cada lado e apenas uma bola, bem redonda, sempre em busca da mira entre as duas traves, nem sempre é lembrada com justiça na tela grande. Se até o Rei Pelé já marcou presença ao lado de Michael Caine e Sylvester Stallone sob o comando do oscarizado John Huston no problemático Fuga para a Vitória (1981) – além da divertida comédia nacional Os Trapalhões e o Rei do Futebol (1986) – e mesmo assim sem fazer história, o que resta para ser contado? Aproveitando a mais recente tentativa no gênero – a animação Um Time Show de Bola (2013), que levou mais de dois milhões de argentinos aos cinemas neste ano – resolvemos destacar aqui cinco produções que trataram dessa paixão nacional com respeito e muita garra. Basta confiar e partir para o gol!

 

 

Febre de Bola (Fever Pitch, Inglaterra, 1997), por Rodrigo de Oliveira
Uma das maiores paixões do britânico Nick Hornby, autor dos livros que deram origem aos filmes Alta Fidelidade (2000) e Um Grande Garoto (2002), é o futebol. Torcedor enlouquecido do Arsenal, Hornby escreveu em 1992 um diário do fanático pelo esporte bretão denominado Febre de Bola. Nele, o escritor se coloca como protagonista, relembrando os momentos marcantes que teve junto de seu time – e como este comportamento influenciava as pessoas que o cercavam. Cinco anos depois, um filme baseado nesta obra foi lançado no Reino Unido, estrelado por Colin Firth, Ruth Gemmell e Mark Strong. O roteiro, assinado pelo próprio Hornby, romanceava boa parte daquele diário, criando outras situações e transformando a história em uma comédia romântica. Na trama, Firth vive um professor fanático por futebol que vê seu vício atrapalhar uma possível história de amor com uma rígida colega professora. Inédito no Brasil, o longa-metragem tem versões em DVD lançado nos Estados Unidos e no Reino Unido (ambos sem legendas em português). Fuja, no entanto, da outra versão de Febre de Bola, batizada como Amor em Jogo e realizada pelos irmãos Farrely em 2005, que trocava o futebol pelo beisebol e era estrelada por Jimmy Fallon e Drew Barrymore. Total bola fora.

 

 

Linha de Passe (Brasil, 2008), por Matheus Bonez
O longa de Walter Salles e Daniela Thomas não é específico sobre futebol, apesar do título e da divulgação chamarem para este quesito. Porém, nas histórias entrelaçadas da relação entre uma mãe, seus cinco filhos e a dificuldade de conseguirem chegar onde querem, o esporte é um dos motores do longa. Na verdade, funciona como a desconstrução do sonho de ser artilheiro. Através da figura de Dario (Vinícius de Oliveira), a realidade do meio futebolístico é colocada na tela como um tapa na cara. Afinal, enquanto milhões de garotos sonham em viver da bola, quantos realmente conseguem um lugar ao sol? Ainda mais após uma certa idade: isto que o próprio Dario não chegou nem perto dos 30 anos e já é praticamente aposentado. Linha de Passe pode não ser o filme mais iluminado sobre a paixão brasileira, mas se tudo parece ser flores e louros para quem só assiste aos jogos, a realidade é bem diferente. Algo que o bom cinema sabe como denunciar da maneira certa.

 

 

O Segredo dos seus Olhos (El Secreto de sus Ojos, Argentina, 2009), por Willian Silveira
O argentino Juan José Campanella, diretor dos clássicos O mesmo amor, a mesma chuva (1999) e O Filho da Noiva (2001), tem em O Segredo dos seus olhos (2009) o seu grande filme de mistério. Nele, o ex-servidor de justiça, Benjamín Esposito, escreve um livro detalhando um caso com o qual se ocupou, sem jamais conseguir solucioná-lo. No entanto, o que era para ser apenas mais um dos tantos casos em aberto do sistema penal argentino transformou-se na obsessão do protagonista. Interpretado pelo sempre estupendo Ricardo Darín, o personagem não poupa esforços para esclarecer o enigma. No desenrolar da trama, a paixão de um povo pelo futebol vem à tona. A cena mais importante do filme, em que se está prestes a identificar e capturar o culpado, acontece durante uma partida de futebol. Construída com requinte técnico a fim de simular um plano-sequência, a cena acompanha a câmera que viaja do helicóptero sob o estádio em direção às arquibancadas. O auxílio de inúmeras horas de computação gráfica reconstruiu a lotação dos torcedores apaixonados e o clima da partida, fazendo com que a perseguição que se desenrola pelo labirinto do estádio impressionasse até mesmo quem desgosta do esporte. Para muitos, a cena impacta mais do que o próprio filme, roubando para si a maturidade que falta ao longa-metragem.

 

 

Maldito Futebol Clube (The Damned United, Inglaterra, 2009), por Rodrigo de Oliveira
No chamado “país do futebol”, Maldito Futebol Clube não ganhou chances de encontrar seu público nos cinemas, sendo lançado diretamente em DVD. Uma pena. Apesar de tomar para si liberdades demais ao contar uma história real, o longa-metragem de Tom Hooper é um dos melhores filmes que retratam o esporte bretão. Na trama, Michael Sheen vive o controverso técnico britânico Brian Clough. Após conseguir colocar o time de segunda divisão Derby County no patamar dos grandes da Inglaterra, o técnico é convidado para treinar o rico e difícil clube Leeds United. A narrativa do filme costura o passado do técnico e sua campanha de vitórias, com a sua ligeira experiência à frente do novo clube. É um verdadeiro prazer assistir a Michael Sheen interpretar um personagem tão vaidoso, inteligente e cheio de si quanto Brian Clough. Frost/Nixon, em 2009, serviu como um ensaio para o ator, que parece ter buscado um pouco da cara-de-pau de David Frost para compor seu Brian Clough, incluindo mais agressividade e destempero em suas relações pessoais. Destaque para a fotografia belíssima assinada por Ben Smithard, a direção de arte caprichada que recria com perfeição as décadas de 60 e 70 e um ritmo bastante dinâmico.

 

 

Heleno (Brasil, 2012), por Marcelo Müller
Engano acreditar que o jogador genioso e problemático seja fruto do futebol contemporâneo, dos nossos tempos midiáticos. Ídolo do Botafogo na década de 40, Heleno de Freitas teve sua trajetória marcada tanto pela habilidade no campo, quanto por uma vida de excessos fora das quatro linhas. Era tão temperamental que ganhou o apelido e “Gilda”, em alusão à personagem interpretada no cinema por Rita Hayworth. A cinebiografia Heleno, dirigida por José Henrique Fonseca, e protagonizada por Rodrigo Santoro, aborda de maneira paralela os dias de glória e o definhar do craque num sanatório em Barbacena, então vítima da sífilis. A fotografia preto e branco é muito bonita e atua como agente facilitador de retrocesso ao passado. Rodrigo Santoro incorpora bravamente os dois Helenos, da fama à derrocada. Talvez, caso a cronologia fosse respeitada e não embaralhada por fetiche cinematográfico, Heleno pudesse ter mais impacto dramático por meio do contraste entre os momentos do biografado. De qualquer maneira, o filme é interessante, pois nos mostra o ídolo em seu espectro mais ordinário, falível como qualquer mero mortal.

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