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Sinopse

Zootopia é uma cidade habitada por animais. Lá, a novata policial Juddy Hopps se junta a Nick Wilde, uma raposa trapaceira que pode ajudá-la a desvendar uma conspiração.

Crítica

Se a Disney é identificada no mundo inteiro pela excelência nos projetos de animação que regularmente lança nos cinemas conquistando público e crítica, dentro deste gênero é possível afirmar sem grandes chances de erro que, ao lado dos contos de fadas, talvez um dos maiores expertises da companhia sejam também as produções estreladas por animais. Desde os clássicos Dumbo (1941) e Bambi (1942), ambos lançados há mais de sete décadas, até sucessos como O Rei Leão (1994) – que faturou quase US$ 1 bilhão nas bilheterias de todo o mundo e por muito tempo foi o longa de maior retorno financeiro do estúdio – poucas histórias estreladas por bichinhos dos mais diversos tipos – de ursos a cachorros, de gatos a frangos, de vacas a ratos, de dragões a dinossauros – não tiveram boa recepção. Mesmo efeito, aliás, que está sendo observado agora com Zootopia, que apesar de contar com um coelho e com uma raposa como protagonistas, distribui seus personagens entre quase todos os seres do mundo animal.

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Na mesma tendência de empoderamento feminino verificada em títulos bem sucedidos como Mad Max: Estrada da Fúria (2015) – US$ 377 milhões de faturamento e 10 indicações ao Oscar, com seis vitórias – e Star Wars: O Despertar da Força (2015) – US$ 2 bilhões de lucro e 5 indicações ao Oscar – Zootopia radicaliza esse conceito, não colocando apenas uma figura feminina à frente da história, mas também de uma raça frágil, mais acostumada a ser caça do que caçador. Estamos falando da pequena Judy, uma coelhinha que sonha em abandonar a vida pacata ao lado da família na fazenda cultivando cenouras para ir se aventurar na cidade grande como policial! Sua vocação profissional provoca, evidentemente, espanto – afinal, essa é uma área de trabalho ocupada por bichos de grande porte, como búfalos, touros, elefantes, leões e rinocerontes – e parece ser quase impossível para ela encontrar um lugar válido na corporação. Mas sua sorte começará a mudar ao cruzar seu caminho com o do malandro Nick Wilde, uma raposa que passa seus dias aplicando pequenos golpes em inocentes desavisados.

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Zootopia, portanto, oferece a primeira impressão de ser mais um filme bonitinho sobre animais humanizados, mas é interessante observá-lo com mais atenção durante o desenrolar de sua trama. Uma leitura mais imediata aponta, na verdade, para um enredo policial, sobre bichos de diferentes espécies que estão sendo sequestrados e ninguém sabe explicar – nem mesmo dentro da força policial – quem é o culpado por estes sumiços. Por outro lado, no entanto, a discussão é mais realista – e esta, curiosamente, surge a partir de um arquétipo do cinema escapista hollywoodiano. Afinal, será por causa de uma invenção desastrada de um cientista maluco que fuinhas, panteras e outros passarão a ser afetados por um mal aparentemente irreversível, que os obriga a esquecer seus comportamentos civilizados, despertando neles seus mais básicos instintos. É o “homem” – ou ser social – voltando a ser “animal” – ou selvagem. E como viver todos juntos em harmonia quando o seu vizinho não consegue respeitá-lo (seja numa discussão ou porque pretende jantá-lo)?

Cada um dos condutores da trama de Zootopia – expressão que combina o genérico “zoo”, para esse mundo animal, com o conceito de “utopia”, um bem maior provavelmente inalcançável – terá muito o que se esforçar e grandes desafios a serem superados em jornadas individuais de transformação e, principalmente, adaptação. A pequena quer ser aceita pelos grandes, o malandro descobre ser possível também ser correto, a autoridade precisa reconhecer o valor de cada um e a burocrata terá que aprender que cada peça da engrenagem tem sua função, e ignorá-la poderá ter consequências desastrosas. Exposto deste modo, no entanto, a impressão pode ser de um discurso catequizador, mas felizmente não é o que ocorre. O diretores Byron Howard (Enrolados, 2010) e Rich Moore (Detona Ralph, 2012) são hábeis o suficiente para manipularem bem tanto a expectativa em relação a uma trama original como a necessidade de dotá-la de algo a mais, que a eleve acima do lugar comum.

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Ainda que seja um pouco longo demais – com 1h48min, este é um dos títulos mais extensos da produtora – e esse excesso acabe cansando, principalmente no seu arco final, e sua revelação-surpresa guarde o mesmo grau de espanto de títulos recentes como Frozen: Uma Aventura Congelante (2013) e Operação Big Hero (2014) – ou seja, com alguém expondo suas reais intenções somente no último instante – Zootopia ganha pontos por tudo aquilo que carrega consigo além da superfície. Os exemplos são relevantes, as figuras em cena são carismáticas, e piadas que fazem referências a clássicos como O Poderoso Chefão (1972) ou ao cultuado seriado Breaking Bad (2008-2013) só contam pontos a favor. E no final o saldo é positivo, principalmente pela possibilidade dessa ser apenas a porta de entrada de um universo que poderá – e merece – ser muito melhor explorado no futuro.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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