Crítica
Leitores
Sinopse
Em Xingu à Margem, é dito: “O rio Xingu não obedece leis, ele vem restaurando e ressuscitando espíritos contra todo o mal a quem o fez”. A fala é da Dona Raimunda, que, com seu machado de duplo fio, separa o bem do mal. Sua luta revela a dura realidade de segregação enfrentada por ribeirinhos, beiradeiros e indígenas na Volta Grande do Xingu, em Altamira (PA), desde a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Documentário.
Crítica
Alguns episódios são incontornáveis. Não se trata de uma questão de Direita ou Esquerda, de quem está no poder ou do contexto sociopolítico no qual tal evento se sucedeu. É preciso estudar com cuidado todos os lados da questão, independente da força – ou não – da denúncia. O caso de da barragem de Belo Monte é um destes momentos dos quais os brasileiros não podem esquecer. Precisa ser lembrado, reivindicado, protestado, estudado. E evitado. Xingu à Margem, documentário de Arlete Junina e Wallace Nogueira, parte desse triste momento da história nacional recente para se debruçar sobre as consequências nas vidas de alguns daqueles envolvidos, tendo como ponto de partida a trajetória da dona Raimunda Gomes da Silva, que morava em território posteriormente inundado. Sua vida foi radicalmente afetada por essa decisão. Mas quem mais sofreu nesse mesmo momento? E quais foram os ganhos que justificaram tamanha agressão? Nem todas as perguntas levantadas são respondidas, ou mesmo sinalizadas, pelos realizadores. A impressão é que, uma vez movidos pela urgência do protesto, ficaram cegos diante de todas as demais implicações. Um afastamento que proporcionasse um suspiro frente a tudo que estava posto teria sido benéfico ao conjunto.
O filme abre com uma audiência pública em 1989, quando a proposta que tão gravemente afetaria a região de Altamira, no estado do Pará, uma vez concretizada, foi levada à exposição pública pela primeira vez. O que se mostra ali são comunidades indígenas que seriam diretamente atingidas pelo represamento das águas do rio Xingu. É de se imaginar, portanto, pelo título do filme, pelas cenas escolhidas para dar início ao discurso, e até mesmo pelo sobrenome de muitos dos envolvidos nos bastidores dessa realização, que o que se veria a seguir seria mais uma narrativa voltada a resgatar vozes esquecidas, dessa minoria que vem ocupando esse espaço hoje chamado de Brasil desde o início e que cada vez mais tem sido ignorada, agredida, vilipendiada. Não é o que a narrativa tratará de se ocupar, no entanto. Raimunda Gomes da Silva é uma personagem tão contagiante que pouca atenção se vê possível direcionar a qualquer um dos demais que os realizadores vislumbrem tangenciar em seus registros. Mulher, negra, humilde, vivia da pesca e do que o rio oferecia. Sem casa e desprovida de sua fonte de renda original, mudou-se para quilômetros de distância daquele lugar que costumava chamar de casa e tratou de se reinventar. Hoje está envolvida com a atividade cacaueira. Sua mudança foi intensa, mas, por dentro, os gritos de protesto seguem sendo os mesmos.

Wallace e Arlete demostram na condução de suas filmagens o mesmo encantamento pela protagonista que muito provavelmente irá se refletir na percepção da audiência. Mas este não é um filme sobre Raimunda. É sobre a violência que foi a instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte naquele lugar. Fala-se muito da Norte Energia, a empresa por trás do negócio, em grande parte tornado possível por meio da ação estatal. Mas quais foram os vieses públicos que permitiram o desenvolvimento dessa ideia? Um vídeo de 2016 é exibido logo no começo da trama, mostrando a então presidenta Dilma Rousseff participando do ato de inauguração da represa. Um projeto que, segundo algumas das denúncias, não foi executado a contento e que até hoje apresenta problemas. São importantes tais apontamentos. E merecem ser ouvidos e investigados. Mas o que diz o outro lado da questão? Xingu à Margem está interessado em apenas um viés. É importante destacar que este é aquele que comumente não chega a receber qualquer tipo de atenção. É para isso, também, que obras como essa encontram valia. Mas a mensagem não pode ser mais importante do que a obra. Se faz necessário se provar também enquanto cinema. E eis o problema que ressoa ao longo dos seus quase 100 minutos de duração.
Mais um manifesto e menos uma experiência cinematográfica, Xingu à Margem desvia de um possível aprofundamento sobre a condição dos povos originários da localidade em questão, da mesma forma como deixa de lado oportunidades em trazer outros pontos de vista para a conversa. Controvérsias e posicionamentos outros também são ignorados, uma vez que Raimunda é tão carismática a ponto de concentrar todos os olhares no que tem a dizer e observar. O sorriso segue forte em seu rosto, assim como a certeza de que a batalha pode ter sido perdida, mas a luta irá continuar para sempre. Suas declarações e atitudes são exemplos a serem seguidos, e nela o filme encontra seu modo de ser. Mas, se faz necessário atestar, não é o bastante. Sente-se falta de mais, tanto para enriquecer os tantos posicionamentos envolvidos, como também para apontar caminhos para um futuro que evite repetir os mesmos erros. Do jeito que está, soa mais como um exercício embevecido pelas paisagens e por sua personagem, e menos uma conversa séria a respeito de mais um dentre tantos gritos de socorro que ecoam por todo esse país.
Filme visto durante o 58º Festival de Brasília, em setembro de 2025
Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)
- Uma Batalha Após a Outra - 25 de outubro de 2025
- Sonhar com Leões - 23 de outubro de 2025
- Depois da Caçada - 22 de outubro de 2025

Deixe um comentário