Crítica

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Um cão da raça dachshund, o popular salsicha, se aproxima de diferentes pessoas e aos poucos transforma a vida de cada uma delas, que passam a se questionar sobre a vida, suas relações familiares e amorosas e, principalmente, seus lugares no mundo. A sinopse de Wiener Dog (2016) sugere uma trama açucarada e edificante, mas o espectador incauto deve saber que se trata do novo trabalho do norte-americano Todd Solondz, cineasta reconhecido por suas narrativas causticas sobre perdedores e recheadas do humor peculiar e incômodo que lhe é tão característico.

Desta vez não é diferente: a assinatura do realizador de pérolas obrigatórias como Felicidade (1998) e Palíndromos (2004) já é perceptível nos primeiros minutos do longa, quando um menino (Keaton Nigel Cooke) questiona sua mãe (Julie Delpy) sobre porque sua cachorrinha deve ser castrada. A resposta, como haveria de ser num filme de Solondz, é brutalmente honesta, insensível e inapropriada para crianças – talvez até mesmo para adultos. Mas este é apenas um dos segmentos de Wiener Dog e um dos mais brandos. Enquanto o filme se desenrola, o cachorro-título encontra tipos ainda mais fragilizados e perturbados, perdidos em suas idiossincrasias e vidas sem propósito.

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Uma dessas personagens é Dawn Wiener, conhecida pelos incursionados no cinema de Solondz como a protagonista de Bem-Vindo à Casa de Bonecas (1995). A outrora adolescente desajustada e frustrada se tornou uma adulta com as mesmas características, antes interpretada por Heather Matarazzo e agora nas nuances encantadoramente excêntricas de Greta Gerwig. O cineasta, que costuma reapresentar personagens de outras de suas histórias – algo já feito em A Vida Durante a Guerra (2009) – retoma ainda os mesmos dilemas existenciais de sua filmografia, que dedica perspectivas pouco otimistas para a sociedade norte-americana branca e de classes mais abastadas.

A melhor história envolve Danny DeVito como um professor universitário e roteirista frustrado, trama esta que permite com que Solondz, docente adjunto numa universidade de Nova York, discorra sobre a ignorância e arrogância de seus estudantes e suas próprias limitações enquanto ensina a arte ao invés de colocá-la em prática. Mesmo que seja a mais envolvente das esquetes, ainda mais na participação controversa da cachorrinha salsicha na pequena trama, o conto é um pouco deslocado e desconectado do resto do longa, assim como o ato final protagonizado por Ellen Burstyn. Nada que prejudique as intenções do realizador, que a cada minuto de seu roteiro ácido faz valer suas intenções de causar um incômodo familiar, retratando alguns dos piores e mais ordinários aspectos da humanidade.

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Wiener Dog propicia uma interação entre humanos e animais em níveis similares enquanto avalia o que a primeira espécie, autodeclarada superior, faz com as oportunidades que lhe são possíveis em suas condições. Oferecendo um misto de comicidade e desconforto, Solondz assina um testamento da natureza humana e reitera sua postura que não parece se suavizar ao longo dos anos. Impiedoso e cínico, o cineasta é um analista louvável da loucura socialmente aceitável que, mesmo quanto se repete, nunca parece óbvio ou descartável.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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