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Sinopse

O relacionamento entre o Rei Eduardo VIII e a norte-americana divorciada Wallis Simpson, em 1936, se torna a obsessão de uma mulher que nos anos 1990 começa a ler várias cartas de Wallis.

Crítica

Uma das personalidades mais populares do universo artístico contemporâneo, Madonna desperta tanto fãs ardorosos quanto opiniões contrárias. Há os que a amam e os que a odeiam. Poucos, no entanto, se dedicam verdadeiramente a observá-la, numa tentativa mais analítica de compreensão. Madonna é cantora, dançarina, compositora, produtora, escritora, atriz e, agora, também diretora. É claro que alguém que faz tanto – e sempre com exemplar competência – será objeto de admiração mas, principalmente, de ataques invejosos dos que pouco produzem e muito alcançam. Assim sendo, nada mais natural do que criticá-la com profusão e intensidade cada vez que se aventura numa nova seara. Como agora, que se mostra uma cineasta com inegável, ainda que limitado, talento. W.E. – O Romance do Século é, de fato, seu segundo trabalho como realizadora de longa-metragens – o primeiro fora Sujos e Sábios, de 2008. Não é, portanto, marinheira de primeira viagem. Mas este é o primeiro em que podemos perceber uma qualidade superior, acima da média. Não se trata de uma obra inesquecível e impecável. Possui, evidentemente, defeitos, e nem toda crítica feita em sua direção foi vã. Mas é dono também de destacadas qualidades, e essas precisam ser ressaltadas. Nem tanto ao céu, muito menos ao inferno.

Talvez o melhor de Madonna seja sua humildade – sim, qualquer um que preste um pouco de atenção em sua trajetória verá que estamos falando de uma artista que reconhece quando não sabe algo. Mas, ao contrário da grande maioria, que se vê intimidada em situações assim, com ela esse despreparo e ignorância servem como estímulo, como alavanca para aprender mais e a se superar constantemente. Foi assim na música: sua consagração no Grammy (a mais importante premiação da área) veio somente com o álbum Ray of Light, de 1998 (o seu oitavo trabalho de estúdio, 15 anos após sua estreia); como atriz, seu papel até hoje mais elogiado, pelo qual ganhou o Globo de Ouro de melhor atuação, foi por Evita, de 1996 (mais de uma década após sua estreia fulgurante no divertido Procura-se Susan Desesperadamente, de 1985). Ou seja, como realizadora ela está recém começando. Há muito a percorrer ainda. E com certeza não irá desistir tão fácil. Afinal, teve instrutores de bastante peso, como os ex-maridos Sean Penn (dono de 2 Oscars) e Guy Ritchie (responsável pela série campeã de bilheteria Sherlock Holmes). E o avanço que se percebe entre a primeira incursão e agora certamente aponta para mais um caminho de muitas glórias e conquistas.

W.E. – O Romance do Século nasceu de uma admiração confessa que Madonna tem pela história de amor memorável entre a americana Wallis Simpson (1896-1986) e o Príncipe Edward VIII (1894-1972), da Inglaterra. Edward (James D’Arcy, de Mestre dos Mares, 2003) era o filho mais velho do Rei George V, e abdicou do trono para poder se casar com a americana Wallis (Andrea Riseborough, de Revolução em Dagenham, 2010), que além de tudo era também divorciada duas vezes. O episódio, por sinal, é citado também no oscarizado O Discurso do Rei (2010), que nada mais é do que o ponto de vista do irmão mais novo do príncipe para estes mesmos eventos. Depois do casamento, Wallis e Edward foram exilados na França, onde permaneceram para voltar apenas após suas mortes. Ambos estão enterrados, atualmente, próximos ao Castelo de Windsor. A sigla que dá título ao filme, portanto, faz referência aos primeiros nomes do casal. Mas engana-se quem pensa que o filme é uma cinebiografia tradicional. Na verdade, o romance do rei que largou a coroa em nome do amor serve como pano de fundo para o que está se passando com outro casal, já em tempos atuais. Wally (Abbie Cornish, de Sem Limites, 2011) é esposa do psiquiatra William Winthrop (Richard Coyle, de Príncipe da Pérsia, 2010), que a trata mal e, provavelmente, possui uma amante. Ela descarrega suas frustrações se envolvendo com os registros a respeito dos príncipes, que estão sendo motivos de um leilão em Nova York. Ao visitar a exposição das peças a serem leiloadas, ela conhece também o segurança Evgeni (Oscar Issac, de Drive, 2011). E o apoio dele será decisivo nestes momentos em que sua própria vida passa a se confundir cada vez mais com o conto de amor que tanto admira.

Portanto, pensemos: Madonna está em Wally ou em Wallis? Nas duas, e, provavelmente, em nenhuma delas. Afinal, o filme todo é dela, e dessa forma poderemos percebê-la espalhada por toda a obra. Ela também já foi a americana que largou (quase) tudo para ir morar com um membro de uma tradicional família inglesa. Mas nunca foi vítima, e sempre soube muito bem onde dar cada passo. E essa parece ser a maior mensagem aqui. O rei abdicou do trono. Mas do que Wallis teve que abrir mão ao assumir um amor tão intenso? Ela passou a ser odiada por todos, foi exilada do país onde morava e se comprometeu de tal forma com aquele homem que qualquer mudança de posição futura poderia ser um pesadelo. E Wally, que tanto sonhava com o passado dos outros, em que momento passaria a conduzir o próprio destino com suas mãos, deixando de depender sempre dos outros?

Madonna vem da escola da música, e sendo assim, dos videoclipes. Ou seja, a imagem para ela é um elemento vital, de conquista e envolvimento. E assim é W.E. – O Romance do Século, um filme visualmente encantador, mas que carece de maior conteúdo. O roteiro, escrito pela diretora em parceria com Alek Keshishian (diretor do documentário Na Cama Com Madonna, 1991), é tolo e superficial, sem se aprofundar em nenhum dos lados da trama. A parte contemporânea e infinitamente inferior ao relato histórico, e esse desequilíbrio é somente um dos percalços da obra. Mas esses não são tantos quanto se poderia apostar. A trilha sonora de Abel Korzeniowski (indicada ao Globo de Ouro) é belíssima, apesar de um pouco exagerada e onipresente. Os figurinos de Arianne Phillips, justamente indicados ao Oscar e premiados no Costume Designers Guild Awards, saltam aos olhos do espectador. E a bela canção Masterpiece, que pontua o desenrolar dos créditos finais e ganhou o Globo de Ouro, serve como uma perfeita conclusão. Enfim, trata-se de um filme gostoso de se assistir, mas que não resistirá ao teste do tempo. Descartável, porém encantador.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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