Crítica

O filme que precisou de 20 trilhões de dólares para ser feito. A quantia inimaginável em qualquer área é como se apresenta o documentário Trabalho Interno, premiado com o Oscar neste ano. Longe de realmente ter sido produzido com o montante exorbitante, a ironia da propaganda infiltra-se também na linguagem com a qual o diretor Charles Ferguson aborda a crise econômica que afetou o mundo em 2008.

Diferente das cifras, imateriais e impalpáveis, os estragos produzidos por uma gama de irresponsáveis, localizados principalmente em Wall Street, marcou e modificou o cotidiano de muitas pessoas – essas tangíveis e reais – em diferentes pontos do globo.

Com o roteiro escrito por dois estreantes (Chad Beck e Adam Bolt), o segundo filme dirigido por Ferguson (o primeiro foi No End in Sight, de 2007, que aborda criticamente o governo de George W. Bush e a intervenção no Iraque) surpreende pela clareza e destreza com que trata a questão. Não é raro encontrarmos documentários que, mesmo bem realizados e interessantes, em via de defender sua argumentação deixam – ou precisam deixar – de lado determinados detalhes. O caso aqui é distinto quando percebemos o domínio que os envolvidos têm do assunto, nos dando até a falsa impressão de que o tema é imensamente mais fácil.

A primeira cena passa-se na Islândia. Dotado de uma estrutura econômica considerada por muitos como sólida e confiável, o país serve duplamente como fio condutor para o início da história e para o fechamento, mais adiante, de um raciocínio que procura identificar no comportamento controverso e ganancioso de muitas pessoas relevantes a problemática que determinou para a crise econômica.

A prosperidade dos minutos iniciais vem abaixo com a privatização dos bancos islandeses. Em mãos internacionais, as instituições de crédito começam a levantar margens de crédito irreais, permitindo que pessoas físicas tome empréstimos sem garantias de pagamento e em quantias muito acima das possibilidades de pagamento. A circulação desenfreada de capital aumenta o poder aquisitivo e inflaciona o mercado. Logo, o cenário problemático desenhado no país nórdico é transferido para Wall Street, o maior centro financeiro do mundo, ponto de uma cultura desmedida, muito bem retratada em Wall Street – Poder e Cobiça (Wall Street, Oliver Stone, 1987).

No entanto, Trabalho Interno não se resume a explicar como se articulou a bolha econômica. Há uma claro – e positivo – interesse em apontar culpados e denunciar a  prática gananciosa de obtenção de dinheiro. A crítica inicia com a desregulamentação aceita pelo governo de Ronald Reagan e se estende até os dias atuais, incluindo a administração de Barack Obama. Sem pudor, Ferguson coloca o dedo em riste de todos os possíveis envolvidos. Não se salvam professores de universidades importantes, lobistas, diretores de grandes bancos, empresas de investimento ou presidentes americanos. Estão todos acusados, em maior ou menor grau, de irresponsabilidade e de lucrar às custas do dinheiro alheio. A incriminação soa ainda mais pertinente ao percebermos o constrangimento ou falta de desenvoltura dos entrevistados frente às perguntas.

Se há um ponto em que Trabalho Interno se ressente, talvez seja o de não ter abordado com a devida atenção o lado que realmente sofreu com a crise. Por mais de uma vez, o diretor parece iniciar um discurso que apontará na direção dos resultados sociais que o mundo artificial de Wall Street gerou. O desemprego, as famílias que perderam as casas hipotecadas e a pobreza aparecem irregularmente, porém não ter dado vazão a esse outro lado acabou tornando-se acertado. O tempo gasto para explicar o desenvolvimento da crise, quais seus responsáveis e como estavam envolvidos preencheram perfeitamente a cronologia narrativa.

O prêmio de Melhor Documentário recebido no Oscar de 2011 sugere mais que o agraciamento de um filme inteligente e competente. Ratifica a urgência do assunto e revela as marcas trágicas de uma postura político-social descomprometida. E pior, distante do fim.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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