Crítica

A rotina de visitas ao marido na prisão, ao lado dos quatro filhos, faz parte do dia a dia Karen (Shirley Henderson). A melancolia desta jornada que se repete incessantemente a afeta, como não poderia deixar de ser. Porém, segundo a direção do britânico Michael Winterbottom, também co-autor do roteiro de Todos os Dias, as emoções estão contidas e se revelam aos poucos, à medida em que a monotonia se instala em sua vida.

Até a metade do filme, ao menos, o espectador não sabe porque Ian (John Simm) está preso. E, na verdade, nem importa. Não faz diferença para a trama. Os momentos na penitenciária são filmados com crueza, porém sem dor. Não há brigas na cadeia, colegas de cela mal encarados ou policiais corruptos. Tudo é absolutamente normal. Os filhos visitam e brincam com o pai como se estivessem em casa. Karen trata o marido com o mesmo amor de antes. O que resta é contar o tempo para que ele saia de lá. Mesmo que neste interim ela se envolva com um colega do bar onde trabalha.

O grande acerto do realizador é justamente este: não transformar a história em um emaranhado de situações que, nas mãos de qualquer outro com menos talento, já decairiam para a baixaria, para o conflito fácil. Aqui, o que resta ao público é acompanhar a câmera digital, com qualidade longe dos padrões hollywoodianos, o som cru e – literalmente – o dia a dia dos protagonistas, seja fazendo o café da manhã, indo trabalhar, cuidando das crianças. Não há reviravoltas na trama, clímax repleto de emoções à flor da pele. Karen, Ian e as crianças são retratados como qualquer ser humano do lado de cá da tela. E, talvez por isso mesmo, o filme seja para poucos.

Para contar esta história, o diretor selecionou os interessantes John Simm e Shirley Henderson. Ela, mais contida, parece sentir a necessidade de repetir todos os dias a rotina para não perder o controle, como se vivesse para esperar o marido sair da cadeia. Não por submissão, mas por um sentimento genuíno. Ele, expansivo, parece aquele personagem que não se entende porque está na prisão. Afinal, o retrato geral (beirando ao clichê) é de que sempre há alguma culpa no cartório e o preso deve apresentar algum aspecto de esperteza, de cafajeste. Porém, John cria seu Ian como se ele fosse apenas um cara qualquer um, preso por algo que realmente cometeu, mas que não define seu caráter, sua personalidade.

Se por estes aspectos Winterbottom, realizador de filmes como O Assassino em Mim (2010) e O Preço da Coragem (2007), acerta na condução da narrativa, por outro pode deixar o espectador monótono com a pouca quantidade de informações inseridas no roteiro e o excesso de trilha sonora melancólica. Porém, para amantes do bom cinema, Todos os Dias é o retrato de uma relação que vai além do comodismo, ressignificando o sentido de amor.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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