Crítica

Logo no começo de Tanta Água, longa uruguaio que tem percorrido uma carreira bastante badalada ao redor do mundo desde sua primeira exibição na mostra Panorama do Festival de Berlim 2013, Alberto (Néstor Guzzini, de Gigante, 2009) para o carro à noite diante o sinal vermelho, olha para os dois lados e decide atravessar, sem esperar pelo seu direito de prosseguir. O espectador, neste momento, pode pensar duas coisas: (1) trata-se de um homem preocupado com a violência urbana e ansiosos por encontrar os filhos, para onde se dirigia, ou (2) temos como protagonista alguém não muito preocupado com regras ou convenções, sem um foco objetivo em vida. Com o desenrolar da trama, no entanto, iremos perceber que a segunda conclusão é a mais acertada.

Alberto é um homem que já passou dos 40 há algum tempo, mora sozinho e vê poucos os filhos do casamento desfeito. Quando o conhecemos ele está a caminho da casa da ex-mulher para pegar as crianças, pois vão passar as férias juntos numa reserva termal próximo à cidade de Salto, quase fronteira com a Argentina. Durante todo o trajeto há chuva, condição climática que se mantém também pelos primeiros dias de descanso. O menino Federico (Joaquín Castiglioni) e a adolescente Lucía (Malú Chouza) são como quaisquer outros jovens da mesma idade: contrariados, constantemente buscando algo que os excite e os ocupe, preocupando-se basicamente consigo próprios. O pai, que muda o cenário ao se mostrar presente o tempo todo, também quer ser reconhecido pelo esforço que está fazendo. Quer ver alegria nos olhos deles pelo simples fato de estar ali. Como se essa não fosse sua obrigação desde o princípio.

É complicado estabelecer quem é o mais infantil nas relações estabelecidas dentro desta família. As diretores e roteiristas Ana Guevara e Letícia Jorge (ambas estreantes em longa-metragem) são hábeis em mostrar os desencontros entre eles, apesar te tentarem se conectar de uma forma ou de outra. A moça quer ser notada pelo rapaz mais bonito do local, o garoto quer se divertir com a criança da casa ao lado, e o adulto quer cumprir o papel que acredita lhe caber. Mas não há pulso firme, nem ciência de qual passo tomar. Como resultado, todos acabam frustrados, descontando uns nos outros e também em estranhos. Quando, já no meio da trama, Alberto passa por um cruzamento e é quase atingido por um outro carro, o choque não é resolvido com conversa: parte-se logo para uma discussão violenta e impetuosa. Descarrega-se o incômodo em quem não merece. Mas, afinal, quem está errado?

Assim como num dia chuvoso ou diante de um rio em atividade, a impressão que temos é a de que nada muda, apesar de sabermos que o movimento é constante e intenso. Da mesma forma, os dias vão se passando em Tanta Água, com muito acontecendo apesar de aparentar ser tão pouco. O exemplo paterno que falta, a confiança mútua que é forçada, a piscina que não lhes é permitida pelo medo de um acidente devido ao tempo feio. Quando, finalmente, as portas se abrem, será também na água que se reencontrarão e se esconderão. Talvez para ressurgirem mais fortes, ou quem sabe para simplesmente começarem de novo. O que importa é que, mesmo com tantos erros, a água continuará correndo. E mesmo daqui a um mero instante tudo estará diferente.

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