Sonhos de Trem

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Sinopse

Em Sonhos de Trem, seguimos a vida de Robert Grainier, um trabalhador ferroviário no início do século XX, em meio às vastas paisagens do oeste americano. Quando uma tragédia abala sua família, ele é forçado a encarar o luto, a solidão e as transformações de um mundo em rápida mudança. Drama.

Crítica

Qual a importância de uma vida? Ou melhor: como medir a diferença que a passagem de um homem pela Terra pode causar naqueles que com ele conviveram, conheceram, se relacionaram? Um questionamento como esse pode ser terrivelmente perturbador ou imensamente irrelevante, dependendo apenas da maneira como o ouvinte decidirá encará-lo. Em Sonhos de Trem, quem está no centro destes pensamentos é Robert Grainer, alguém que não sabe ao certo quem é e de onde veio, da mesma forma como ignora para onde vai e no que poderá se tornar. Mas não se fala aqui de uma figura extraordinária, de um recém-chegado de outro planeta ou de um tipo abençoado com poderes inacreditáveis. Trata-se de uma pessoa como qualquer outra, tão perdida em sua caminhada sobre este planeta como todos aqueles com quem cruza em sua jornada. Sua imensa singularidade, aliada a uma capacidade ímpar de se mostrar igual a tantos, é que faz da sua existência algo a ser acompanhado tão de perto, com tamanha atenção e especial cuidado. Eis o simples enquanto elemento de valia, a despeito de tudo aquilo que ele possui de apenas seu. Não se trata de uma celebração da banalidade – muito pelo contrário. O que se tem é este personagem em sua essência, tão particular e, por isso mesmo, tão ao alcance dos demais.

Grainer não sabe ao certo onde nasceu, nem mesmo em qual data. Ainda pequeno, foi colocado num trem e mandado para longe. Em acolhimentos temporários e por meio de caridades de estranhos, cresceu e seguiu em frente. O transporte é símbolo de movimento, de passagem, de evolução e de oportunidades. Mas poderia ser esse também um filme chamado Sonhos do Lenhador, pois será essa a profissão que o protagonista acabará por abraçar. A fotografia de Adolpho Veloso – que já havia esbanjado excelência no português Mosquito (2020) e no brasileiro Rodantes (2021) – é um caso à parte, e merece ser estudada com cuidado. Não há apenas uma beleza estonteante em cada imagem registrada: há também uma história sendo contada, tão ou mais independente do que a deste que, por vezes, se posicionará no meio da tela. A atividade que esse errante encontra será derrubando árvores que acabarão sendo usadas nas ferrovias, nas indústrias, nas cidades ao longe. O homem que de cada tronco se aproxima é visto cada vez mais minúsculo, acentuando a pequenez deste frente a uma natureza capaz de sobreviver até mesmo à maior das agressões. Mas até quando?

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A violência não está apenas no relato dos que morrem em nome do progresso. Se fará presente também no cotidiano dos que lutam apenas para sobreviver um dia após o outro, tornando cada pequeno sonho em uma meta capaz de transformar a tristeza em felicidade. Porém, quando a tragédia se instaura, como encontrar forças para o próximo passo? O momento de desapego e abandono poderá tomar conta de qualquer pensamento por dias, semanas, até mesmo meses, mas há de chegar o instante da virada, de mais uma vez se levantar e começar de novo. Recomeçar é o lema não apenas de um no âmbito da ficção, mas um sentimento que se compartilha com todos os que insistem em não desistir. Quando se depara com uma mulher que apenas por ser quem é lhe oferece uma lufada de vigor, a câmera se aproximará tanto dele, quando dela, apontando para uma possibilidade que, se irá se concretizar ou não, nem chega a ser motivo de preocupação, pois será consequência, e não finalidade. Está no caminho que se abre, na bifurcação que se apresenta, o jogo de apostas. E se essas surgem a todo instante no curso de um dia, que dirá ao longo do rumo ao envelhecer?

Baseado no romance de Denis Johnson, Sonhos de Trem é o surpreendente segundo longa de Clint Bentley. Realizador novato, porém de prestígio. Também roteirista, foi indicado ao Oscar pelo texto de Sing Sing (2023), e será essa sensibilidade e delicadeza que mais uma vez emprestará ao desdobrar de acontecimentos que agora se aplicam a Robert Grainer. Essa figura tão particular, quanto universal, ganha rosto, dores e os sorrisos de Joel Edgerton, um dos talentos mais subestimados da Hollywood atual. Será na sua constrição, no sofrimento contido e na explosão que não conseguirá acalmar, na tímida satisfação de um dia feliz e na desorientação de um por do sol que parece nunca ter fim que empregará uma infinita complexidade de sensações, cada uma perpassando um semblante em busca de reconhecimento, acolhimento, descanso e paz. Felicity Jones, Kerry Condon e, especialmente, William H. Macy são surpresas discretas que se alinham ao seu lado em uma obra que nunca busca se destacar por seus elementos isolados, mostrando-se do início ao fim superior à soma de cada uma destas partes. Uma experiência e tanto, que não clama para si a celebração, oferecendo a quem dela se aproxima a real transformação.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Alysson Oliveira
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MÉDIA
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