Sinopse
Em Sonhos, Fernando é um bailarino profissional que opta por sair do México para ir atrás da mulher que ama. Ela mora nos Estados Unidos, e o rapaz quer construir uma nova vida ao lado dela. A rica mulher vive uma existência tranquila e luxuosa, ainda que tediosa. No entanto, agora que estão juntos os dois terão que enfrentar uma nova realidade, entre escolhas sobre o que podem abrir mão e o que anseiam para si. Drama/Romance.
Crítica
Poderia ser irônico, não fosse cruel, o fato de Michel Franco ter batizado esse filme de Sonhos – o título brasileiro é uma tradução direta do original. O nome quase onírico remete de imediato a uma situação fantasiosa – o que a trama aborda de fato – mas com tons de cor-de-rosa do início ao fim, como imerso em um algodão-doce, exatamente o oposto ao que a narrativa se propõe. O desejo encontrado apenas ao dormir e levado adiante após o abrir dos sonhos ganha planos mais terrenos e sofridos ao acompanhar a jornada de Fernando (a revelação Isaac Hernández), que abandona seu México natal e se sujeita a um cruzamento ilegal da fronteira em busca não apenas de uma vida melhor, como assim o faz a grande maioria disposta a igual ação, mas também por acreditar no amor e no poder transformador deste. Sentimentos que muitos afirmariam como ingênuos, e em meio a uma realidade cada vez mais cínica, o protagonista pagará o preço por se deixar levar por aquilo que tantos já abriram mão. Essa jornada de decidir, partir, sofrer e ser penalizado ganha a tela quase como que numa via crucis por meio de uma condução que não se apressa em revelar o óbvio, tornando evidente o quanto uma violência pode ser lida como pior do que outra, por mais que seja apenas resposta a algo anterior. Dois pesos e múltiplas medidas.
A cena de abertura dita o tom que será perseguido a seguir. A traseira de um caminhão se abre e lá de dentro homens, mulheres e crianças saem à força. Em meio a bagunça que se forma, Fernando consegue escapar. Escondendo-se sempre que possível, tem fome, sede, sono e sofre. Mesmo assim, dá o próximo passo, sendo ajudado por quem pelo mesmo já passou. Ele tem um objetivo, e não irá parar até o alcançar. Cruza deserto, estradas movimentadas, e com o tempo se vê na cidade a qual se dirigia. Quando, enfim, está em frente ao endereço que agora o espectador percebe ser a meta buscada desde o princípio, o garoto bate à porta. A falta de resposta não lhe desmotiva, pois sabe onde encontrar a chave reserva para entrar. Uma vez lá dentro, abre a geladeira sem cerimônia, transita pelos ambientes como se os conhecesse, e termina despido, sem temores, dormindo na cama do quarto principal. É lá onde Jennifer McCarthy – assim, com nome e sobrenome – irá encontrá-lo. Num primeiro momento, vem a surpresa. Mas logo esse sentimento é substituída por outro, que a move a fazer o mesmo que ele, deixando as roupas para trás e juntando-se e ele pode debaixo dos lençóis. Os dois se amam naquele momento, da mesma forma como, agora entende-se, tantas vezes antes. Mas o que vem depois?

Interpretada com parcimônia por Jessica Chastain, Jennifer é uma mulher do mundo. Ocupada entre tantos compromissos e responsabilidades, comanda ao lado do irmão Jake (vivido pontualmente por Rupert Friend) uma entidade beneficente encarregada de lidar com muitos dos milhões acumulados pelo pai, um empresário prestes a se aposentar. Os braços da organização são tão longos que acabam chegando à Cidade do México, onde passam a apoiar uma escola de artes. É lá onde ela e Fernando, um bailarino promissor, se conheceram. O que veio depois é previsível: para ele, a promessa de um amor verdadeiro, enquanto para ela talvez nunca tivesse ido além de uma diversão passageira. Mas agora o rapaz cansou de esperar pela próxima visita da amante, e foi ao seu encontro. Sem aviso, sem alerta, sem antecipação. Sua atitude a obriga a escolher entre aceitar e assumir, ou negar e perder o que pensa ser seu por direito. A mulher branca, norte-americana, milionária e o rapaz latino, pobre e estrangeiro. Por outro lado, aquela que leva uma vida desprovida de emoções, amortecida pelos excessos, frente ao jovem que vive da arte e não tem medo de lutar pelo que quer e acredita. O que fazer parece ser simples, mas nada assim é quando emoções fazem parte do conjunto. Mais do que isso, quando há milhões em jogo. Seria ele um golpista? O que os familiares, amigos e sócios dela irão pensar?
Michel Franco não facilita para nenhum dos lados. Aos poucos vai se estabelecendo uma lógica de abandono e entrega entre o casal, com as apostas aumentando progressivamente a cada aproximação. Até o momento no qual uma atitude terá que ser tomada. Um tem o poder, o outro e força bruta. Qual destrói, agride, avança com maior intensidade sobre o outro? Difícil saber, pois se num momento a resposta parece ser óbvia, logo no seguinte será possível se contradizer pelo acréscimo de outros argumentos. O final, por mais que possa ser antecipado, é terrivelmente factível, pois concreto em sua objetividade e cru numa resposta da qual somente seria viável escapar em meio a fantasia. Eis, enfim, Sonhos, um conto de perdas e decepções, como tantos outros que começam em meio a carinhos e entregas. A diferença está na dimensão do discurso. Mais do que envolver apenas os dois a frente dos acontecimentos, fala da relação entre extratos sociais, comunidades internacionais e formas de ver e se levar a própria vida. A abrangência do debate, como fica evidente, estará na disposição daquele que observa, permitindo-se ou não mergulhar em um debate tão urgente, quanto revolucionário. Nunca fácil. Mas do qual se verifica ser impossível fugir, movimento esse voluntário ou não.
Filme visto durante o 27º Festival do Rio, em outubro de 2025
PAPO DE CINEMA NO YOUTUBE
E que tal dar uma conferida no nosso canal? Assim, você não perde nenhuma discussão sobre novos filmes, clássicos, séries e festivais!
Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)
- O Sobrevivente - 18 de novembro de 2025
- Diamantes - 18 de novembro de 2025
- Sombras no Deserto - 15 de novembro de 2025
Grade crítica
| Crítico | Nota |
|---|---|
| Robledo Milani | 9 |
| Alysson Oliveira | 1 |
| Francisco Carbone | 8 |
| Lucas Salgado | 7 |
| Carlos Helí de Almeida | 7 |
| MÉDIA | 6.4 |

Deixe um comentário