Crítica

Boêmios. Artistas. Sonhadores e desiludidos. Malucos e racionais. Extremos comuns a uma vida que, geralmente, se desenrola à noite estão à frente de Sobre Café e Cigarros, longa de Jim Jarmusch que parece ter sido realizado não só para atender a uma paixão pessoal do cineasta, mas também de um grande número de amigos íntimos dele. Tanto que temos uma verdadeira “copa do mundo” na seleção de elenco do filme. Em cena aparece desde o italiano Roberto Begnini aos americanos de origem asiática Joye e Cinqué Lee, da australiana Cate Blanchett ao inglês Steve Coogan, do britânico de origem espanhola Alfred Molina ao norte-americano Bill Murray. Mas se os atores que aparecem no filme chamam atenção, é a estrutura do longa seu maior destaque: na verdade somos apresentados a onze curtas-metragens, aparentemente sem nenhuma relação um com o outro a não ser os dois elementos do título: cafés e cigarros.

Como toda obra que se propõe a ser tão diversa como esta, é impossível não constar uma certa irregularidade no conjunto. Os roteiros propostos são os mais diversificados possíveis, desde a mulher que apenas deseja ficar em paz bebendo seu café, fumando seu cigarro e lendo seu livro, até a dupla de músicos que discutem novos trabalhos embalados pelos aromas que estão ao seu redor. Cate Blanchett, sem ser nenhuma surpresa, é um dos destaques, aparecendo em duas versões – ela própria e uma prima invejosa do seu sucesso que tenta a todo custo colocá-la pra baixo. A mesma relação de parentesco aparece no encontro entre Molina e Coogan – seria o fato de ambos serem ingleses o suficiente para justificar uma proximidade familiar? Aliás, esse tipo de humor satírico - característico do cineasta - e até mesmo debochado dá o tom na maioria das vinhetas, indicando que, mesmo com muito café, é preciso estar atento para desvendar as verdadeiras intenções por trás da fumaça de cada tragada.

A aproximação com a música é outro ponto forte. Isto pode ser percebido na presença dos compositores e cantores Jack e Meg White, que formam a banda The White Stripes, além de Tom Waits, Iggy Pop e nos rappers GZA e RZA. Eles, além de atuarem (alguns não são novatos, como Jack, que no mesmo ano esteve em Cold Mountain, 2003, e Waits, parceiro habitual de Francis Ford Coppola), também interpretam algumas das principais canções da trilha, colaborando com o ritmo cadenciado dos enredos. Tom Waits, com Saw Sage, e Iggy Pop, com Down on the Street (com os The Stooges) e Louie Louie, são algumas das pérolas com as quais o público é presenteado durante os 95 minutos de projeção.

Dos onze curtas, cinco são muito bons. São eles Somewhere in Califórnia, com Waits e Iggy, Those Things’ll kill Ya, com antigos mafiosos italianos discutindo culinária moderna, Champagne, que encerra o longa de modo onírico, auxiliando na proposta fantasiosa, além dos citados Cousins (com Blanchett) e Cousins? (com Molina e Coogan). Os demais se alternam entre os chatos e tediosos (como os de Begnini, Steve Buscemi e Bill Murray) e outros sem muito sentido nem noção (como os dos irmãos White e o da mulher solitária). Claro que, com algum esforço, pode ser estabelecida alguma relação entre cada pequena história, principalmente por alguns objetos e citações que se repetem. Mas é tudo um tanto aleatório e pouco preciso. O melhor, portanto, talvez seja avaliar o conjunto por sua ligação simples e objetiva, como se café e cigarros compusessem uma linguagem universal, compreendida por todos, não importando o contexto envolvido.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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