Crítica
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Sinopse
Sede de Rio acompanha a peregrinação fluvial de Nir, o último capitão ribeirinho de grande embarcação através do Rio São Francisco. Anualmente, Nir realiza uma jornada espiritual a bordo da “Rainha do porto” para pagar uma promessa em honra aos mortos levados por esse rio que ele tanto ama. Documentário.
Crítica
O Brasil não é vasto apenas em extensão territorial. Às vezes, a impressão que se tem é que também são inesgotáveis as histórias que brotam de suas lendas, costumes e dogmas. Em Sede de Rio, longa de estreia do diretor Marcelo Abreu Góis, uma mistura de devoção, tributo e intimidade guia o espectador pelo encontro de um homem com um dos mais emblemáticos afluentes brasileiros: o Rio São Francisco, o popular Velho Chico. Observador por essência, o projeto não busca mudar as regras do jogo, mas há recompensas reservadas a quem se permite navegar por suas águas.

O filme adota abordagem híbrida, que se movimenta entre a ficção e o documentário, para percorrer correntes, memórias e silêncios do São Francisco através da vida de Nitercílio Ferreira de Morais, o Seu Nir, um dos últimos capitães ribeirinhos da região. O retrato mergulha em sua trajetória espiritual e simbólica até a cidade de Bom Jesus da Lapa (BA), município que abriga a segunda maior romaria do país, servindo de cenário e inspiração para narrativa que entrelaça fé, luto, mitologia e pertencimento. Filho das margens do rio, Seu Nir aprendeu a navegar antes mesmo de compreender o mundo e carrega, nas águas, a herança de seu povo. Acompanhamos, assim, a romaria silenciosa que ele repete ano após ano, em promessa íntima aos que perderam a vida no curso que moldou a sua.
Góis aposta em direção discreta, quase invisível, que se limita a acompanhar Seu Nir nesse rito que parece, para ele, obrigação, um acerto de contas com o rio. Nesse percurso, também o espectador passa a acreditar que não existe outra saída possível. A transição de observadores para cúmplices da jornada é conduzida pelas imagens deslumbrantes, que captam a natureza em sua força e beleza. A sensação é a de que o paraíso não está distante, mas repousa diante dos olhos, no coração da paisagem brasileira. Há cadência meditativa no olhar da câmera, como se cada tomada fosse também uma prece silenciosa. O rio, nesse contexto, deixa de ser apenas cenário e assume a função de personagem maior, guardião de histórias e destinos.

É verdade que Sede de Rio pode soar repetitivo em alguns instantes. Contudo, o diretor equilibra esse aspecto ao optar por uma duração enxuta: pouco mais de uma hora compõe a experiência. O resultado é registro poético e sensível, capaz de tocar aqueles dispostos a embarcar na travessia. No fim das contas, mais que retrato de um homem e de um rio, o longa nos lembra que a verdadeira sede não é apenas de água, mas de memória, fé e identidade. Esse gesto de filmar transforma a simplicidade em grandeza, oferecendo ao público imersão que resiste ao esquecimento. No limite, é como se cada plano fosse um convite à contemplação, à escuta e ao reencontro com aquilo que muitas vezes deixamos escapar nesse mundo tão globalizado.
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Grade crítica
| Crítico | Nota |
|---|---|
| Victor Hugo Furtado | 6 |
| Alysson Oliveira | 7 |
| MÉDIA | 6.5 |

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