Crítica

Sebastião Ribeiro Salgado Junior talvez seja – e muito provavelmente é – o mais famoso fotógrafo brasileiro de todos os tempos. Tamanha notoriedade não é somente atestada pelos críticos, mas também pela imprensa em geral, que o segue contratando para novos trabalhos; para o público final, sempre ávido por livros e obras suas; e também pelos patrocinadores, que nunca deixaram de investir em cada projeto por ele capitaneado. Mas nem sempre sua vida foi fácil, e assim como muitos outros talentos nacionais, sua fama e reconhecimento começaram primeiro no exterior até chegar ao seu país de origem. É justamente por isso que é bom estarmos diante de um trabalho como Revelando Sebastião Salgado, filme que não só resgata sua vida e trajetória com bastante respeito e competência, mas também oferece uma justa homenagem a um dos grandes nomes do nosso cenário cultural – que, felizmente, segue na ativa e produzindo cada vez mais.

É bastante curioso que a direção de Revelando Sebastião Salgado seja assinada por Betse de Paula, diretora carioca recentemente consagrada no Cine PE com a comédia popular Vendo ou Alugo (2013). Ela deixa de lado o riso fácil, o tom cômico e o humor escrachado que até então havia caracterizado sua filmografia para assumir uma postura muito menos intrusiva, mais respeitosa, mas não menos completa. Esse, que é seu primeiro documentário após três longas de ficção, é também um trabalho maduro, que encara seu biografado de igual para igual, sem endeusa-lo, evitando de colocá-lo num pedestal inalcançável, mas ao mesmo tempo sem rebaixá-lo, desprezando seus maiores feitos. O maior achado para que isso fosse possível foi permitir que o personagem principal narrasse ele mesmo sua história. Acompanhar o próprio Sebastião Salgado revelando os pormenores de sua carreira é não só um prazer singular como também uma aula magna de criatividade, força de vontade e lição de vida. Assim como tantos outros, ele é mais um talento nacional que se fez por si só, a partir de seus méritos pessoais, mas que ainda assim nunca esqueceu suas origens e primeiros passos.

Betse e equipe chegam em Paris, onde Salgado mora com a mulher, Lélia Wanick, e após instalados com equipamentos e todo o material necessário, dão início a uma longa e proveitosa conversa com o fotógrafo. Será a voz dele que irá nos acompanhar desde os tempos de criança, no interior de Minas Gerais. Os primeiros estudos em Vitória, no Espírito Santo, e depois em São Paulo, onde cursou a faculdade de Economia, são pontuais para indicar sua formação, que posteriormente o levou a Paris e, depois, Londres. Foi lá, trabalhando para a Organização Internacional do Café, que tomou a decisão que mudaria para sempre sua vida: largar tudo e investir na fotografia profissional. O começo nessa nova profissão, o apoio familiar, o nascimento dos dois filhos – um com síndrome de Down – e a importância cada vez maior que seu trabalho vai adquirindo é revelada sem pressa, de modo didático, porém sem ser cansativo, sempre intercalado com fotografias espetaculares, não só frutos dos seus esforços, como também registros dele mesmo em ação, feitos pela esposa e filhos, que inevitavelmente o acompanham em suas expedições ao redor do mundo.

Único documentário presente na mostra competitiva nacional de longas-metragens no 41° Festival de Gramado, Revelando Sebastião Salgado é um projeto coproduzido pelo Canal Brasil, e infelizmente esse parece ser o seu destino: homevideo e televisão. Seu formato, assumidamente convencional, reflete também na sua realização, feita a partir de uma concordância com o biografado: ou seja, polêmicas e controvérsias passam longe. Mas isso não deixa de caracterizá-lo como uma obra relevante e digna de ser apresentada, dona de muitas qualidades - como a impactante trilha de Naná Vasconcellos - e à altura da importância do seu foco de pesquisa. É abrangente, instrutivo e esteticamente muito belo, o que torna o seus meros 75 minutos de duração uma jornada prazerosa e gratificante. Betse de Paula acerta pela segunda vez no mesmo ano, presenteando os espectadores com um filme mais do que significativo, necessário.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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