
Quando o Telefone Tocou
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Iva Radivojevic
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Kada je zazvonio telefon
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2024
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Sérvia / EUA
Crítica
Leitores
Sinopse
Quando o Telefone Tocou se passa em 1992, uma sexta-feira, 10h36 da manhã. Quando o aparelo chama e anuncia à pré-adolescente Lana a morte de seu avô. Dali em diante, o mundo como ela conhece estará em constante dissolução. São tempos de guerra e a Iugoslávia está prestes a se desintegrar. Drama.
Crítica
Quando o telefone tocou… bom, foi quando tudo mudou. Ao menos foi assim que ficou marcado na memória de Lana, uma garota que, justamente por sua tenra idade, acaba misturando o público com o privado, o político com o particular, o social com o seu mais íntimo. A partir dessa percepção um tanto pueril, mas ainda assim desbravadora, a cineasta Iva Radivojevic se propõe a narrar a dissolução da sua antiga Iugoslávia, lugar onde nasceu e foi criada, e que hoje não mais existe. Desmembrada, atualmente no mesmo espaço encontram-se sete nações independentes: Bósnia e Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia do Norte, Montenegro, Sérvia e Kosovo. Esta separação tem efeitos não apenas geográficos, mas profundos em cada um dos seus habitantes, moradores, cidadãos. Ao assumir um ponto de vista infantil, a agressão e a violência do processo é amenizada, ao mesmo tempo em que suas marcas e cicatrizes ganham outras formas e contornos. A ferida é a mesma, portanto. O que muda é a maneira como é percebida.
A expressão que dá título ao filme é recorrente no desenrolar dos acontecimentos. E isso porque a ela a protagonista retorna em cada momento de transformação que se vê obrigada a enfrentar. Muito em parte, é claro, pelo movimento de fuga e escape empreendido por sua família, a despeito de qualquer vontade particular que possa ter sonhado exercer. Afinal, a ela cabia apenas obedecer, mesmo que na maioria das vezes não entendesse a ordem recebida, muito menos seu sentido ou o efeito provocado. Quando o telefone tocou é um sinal de alerta para tudo que, de forma inesperada, tal responsabilidade lhe foi encaminhada. Da morte do avô ao sinal de que mafiosos eram uma presença próxima, cada má notícia lhes chegava por meio de um aviso, um recado, um lembrete fora de ordem. Em meio às brincadeiras e jogos infantis, entre preocupações pueris e gracejos fáceis de serem esquecidos, um sinal tocava e, a partir do seu atendimento, a realidade se via alterada. Nada mais era como antes.
Um acerto de Radivojevic – premiada no DocLisboa e selecionada para o SXSW Film Festival pelo anterior Evaporating Borders (2014) – é usar o recurso que emprega sem desgastá-lo, aproveitando-o com parcimônia e evitando excessos. Assim, entende-se o longa ter uma duração não muito superior a uma hora, fazendo da experiência de acompanhar uma criança frente à desintegração do seu mundo mais um exercício curioso do que uma exigência narrativa. Se no princípio se mostra atraente pelas possibilidades que agrega, aos poucos atenua-se a exigência em prol de uma urgência que clama por atenção. O país que conheceu desde o nascimento está rapidamente desaparecendo. Isso não representa apenas uma mudança de ares. Há mais envolvido. E se para os adultos a tomada de cada decisão envolve pesares e ressalvas, aos menores envolvidos por arrasto tais consequências vão sendo descobertas aos poucos, nos dias, meses ou até mesmo anos seguintes. A dor de um adeus não avisado está na insegurança de uma retomada pela qual muito se anseia, mas que nunca se tornará concreta.
Interpretada por Natalija Ilincic, a Lana com a qual o espectador vai rapidamente se acostumando é uma garota que também não está preparada para as mudanças em si, quanto mais em relação àquelas ao seu redor. A atriz novata encara o desafio como mais um dia de escola, demonstrando tranquilidade e segurança na execução de tarefas aparentemente simples, mas que adquirem outras dimensões justamente pela banalidade destes atos frente ao contexto no qual se mostram inseridas. Quando o telefone tocou é fácil de ser acompanhado, mas difícil de ser digerido, acessado e interpretado, seja pelo farto material de reflexão que esconde em suas entrelinhas, como também pela ausência de discursos expositivos que oferecem ao modelo perseguido um ganho ainda maior enquanto resultado. Sua aparente simplicidade, portanto, confirma a execução de um cinema maduro e ciente do seu alcance.
Filme visto durante o 14º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2025


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