Crítica

Alguns atores deveriam saber escolher melhor os seus papéis, principalmente em Hollywood, em que as opções são tantas e variadas. Ashton Kutcher e Michelle Pfeiffer, por exemplo, nunca deveriam ter aceitado participar de Por Amor, longa que passou em branco nos Estados Unidos e chega agora discretamente ao Brasil. Os personagens que interpretam aqui são completamente distantes do potencial de cada um: enquanto ele tenta explorar um potencial dramático inexistente, ela se perde em mais uma tentativa de parecer comum e desglamourizada – ambos sem muito sucesso, é claro. Como resultado, o que temos são intérpretes equivocados, se esforçando além da conta dentro de um universo que exige mais do que eles podem oferecer.

Linda (Pfeiffer) é mãe de um garoto adolescente surdo-mudo. Os dois sofrem a perda recente do marido/pai, assassinado por um conhecido após uma noite de bebedeiras. Numa ida a um grupo de apoio à familiares de vítimas, ela conhece Walter (Kutcher), rapaz que teve a irmã morta após ser estuprada. Ele está com a mãe (Kathy Bates, dos recentes O Dia Em Que A Terra Parou e Foi Apenas um Sonho), e os dois precisam cuidar também da neta/sobrinha, uma menina de cinco anos. Linda e Walter vêem um no outro uma possibilidade de conforto, amparo e redenção. Ela sabe quem matou o esposo, ele não tem ideia da identidade de quem violentou a irmã. Ela tem a quem culpar, ele precisa desesperadamente extravasar sua raiva. E, no meio disso tudo, há o menino deficiente, igualmente raivoso e inconformado, porém sem conseguir – literalmente – dar voz ao seu sofrimento.

A entrada de Walter, um jovem lutador de 24 anos à procura de uma ocupação, na vida desta família em busca de união, terá um significado inédito para todos os envolvidos. Ele será, pela primeira vez, importante, assumindo responsabilidades consigo e com os outros. Ela terá um objetivo, um apoio e um suporte. E o rapaz encontrará, pela primeira vez, uma figura paterna que estará ao seu lado, oferecendo orientação e companheirismo. Na verdade, todos estarão sendo movidos muito mais pela solidariedade e no sentido de fugirem de seus próprios lugares escuros. Desta forma, a tragédia que se anuncia ao final é tão óbvia quanto inevitável. Afinal, a solidão pode ser mais assustadora do que o esperado. E no momento de desespero, decisões impensadas poderão ecoar por toda uma vida, provocando conseqüências irremediáveis.

Por Amor tem muito mais sentido de acordo com o título original, Personal Effects – efeitos pessoais, ou seja, cada um por si, buscando no próximo um meio de se livrar da própria dor, e não em aliviar a do outro. Na direção está David Hollander, estreando no cinema após breves trabalhos na televisão. Ele imprime uma sensibilidade similar à de produções independentes norte-americanas, tão acostumadas com temas experimentais sobre famílias disfuncionais. Mas quando à frente do elenco temos nomes tão populares quanto Kutcher e Pfeiffer, esse diferencial acaba soando mais como estranheza do que como elemento atraente – ainda mais quando é perceptível o desconforto deles. A fotografia morna, a trilha sonora discreta e a exagerada narração que acompanha o desenrolar dos acontecimentos enterram de vez as possibilidades de um filme que merecia um cuidado maior. E a nós, espectadores, resta apenas testemunhar o desperdício de boas oportunidades.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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