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Sinopse
Em Pecadores, dois irmãos gêmeos, dispostos a deixar suas vidas conturbadas para trás, retornam à cidade natal para recomeçar suas vidas do zero. Os dois possuem um plano, e levam menos de um dia para colocar suas intenções em prática. Mas descobrem que um mal ainda maior está à espera deles. Horror.
Crítica
Nada contra quem veja o cinema como um espaço de mero entretenimento, diversão rápida e inconsequente, de prazeres fugazes e esquecimento em sequência, abrindo espaço apenas para uma aquietação momentânea, até que a necessidade de entorpecimento e alienação volte a se manifestar. Mas o certo é que, até mesmos nestes casos, é possível combinar questões dignas de serem observadas com seriedade e reflexão, e não de modo descartável, como muitos insistem em apontar como único caminho. Pecadores, de Ryan Coogler, é não apenas um filme urgente e provocador, mas também uma jornada intensa de atordoamento dos sentidos, proporcionando debates há muito postergados, aqui trazidos ao centro da discussão com enfrentamento e propriedade, ao mesmo tempo em que envolve essa narrativa com elementos de fácil acesso. O cinema de gênero servindo, portanto, como válvula de escape, mas também oferecendo holofote ao que, enfim, não pode mais ser ignorado.
Este é um daqueles casos que, quanto menos se sabe, melhor. Até porque Coogler, também roteirista (como em seus quatro longas anteriores), não tem pressa em entregar a verdade por trás dos acontecimentos que, com bastante parcimônia, passa a acompanhar durante o desenrolar dos eventos presenciados em cena. O ano é 1932, nos arredores do delta do Mississippi. Um jovem chega de manhã, com as roupas em farrapos e sujas de sangue, carregando apenas o cabo de um violão destruído. Ele se dirige à igreja onde o próprio pai é o ministro, conduzindo a cerimônia. Ao vê-lo, manda que se aproxime. É a volta do filho pródigo. Mas o que ele passou na noite anterior para ter ficado no estado que agora se apresenta? O enredo retorna, portanto, em 24 horas. É de manhã, um dia antes, e a notícia é que os irmãos gêmeos Fumaça e Fuligem (ambos interpretados por Michael B. Jordan, em desempenho gigante, atuando nos detalhes para diferenciar um tipo do outro, desde a composição de seus figurinos até nuances de suas personalidades, tornando-os facilmente distinguíveis graças a sua habilidade de tornar cada um único, ainda que conectados) voltaram de Chicago e estão determinados a abrirem um negócio nas redondezas.
Com o primo ao lado deles – o mesmo garoto que já se sabe que verá a luz do dia seguinte – partem para a ação. Pois Pecadores não é sobre pequenos golpes, maltratos sociais ou vinganças financeiras. O buraco é mais embaixo – e o resultado é incomparável. Logo outros irão a eles se aliar – o velho malandro (Delroy Lindo, hipnotizante), a ex-namorada de um, a antiga companheira de outro, os donos do mercado local, antigos aliados que estarão, mais uma vez, unidos. O que todos querem (mais do que isso, precisam) é, em meio a uma realidade tão dura – campos de colheita de algodão, o sol escaldante que não dá folga, o desprezo dos brancos e a ameaça constante da Ku Klux Klan – é de um ponto de encontro, a possibilidade de fuga, por mais passageira e transitória que essa pareça. Uma casa de dança, bebida e confraternização. Mais do que isso, um momento de música. A canção que transforma, que altera, que os transpõe a uma outra experiência. Mas que, ao mesmo tempo, convida o mal para que deles se aproxime. Afinal, quem não quer dessa mesma sensação compartilhar?
Dono de uma das sequências mais inebriantes do cinema em 2025 – algo que será difícil de ser superado nos próximos meses – e de uma história que se desdobra por mais de uma ou duas camadas, eis um relato que revela compreensões que se bastam nos movimentos imediatos, ainda que ofereça surpresas e revelações aos que se dedicarem a um mergulho mais profundo. Pecadores é sobre continuidade e resiliência, mas também sobre enfrentamento e garantias de que, por mais adversas que sejam as condições ao redor, sobreviver não é uma questão de escolha, mas uma necessidade e um exemplo. Ryan Coogler se confirma como um dos grandes realizadores de sua geração – independente de cor ou raça – e atesta ter em B. Jordan o parceiro ideal para cada uma das suas jornadas propostas. Ambos estão em ebulição, e o sentimento perpassa a imagem, solidificando-se no olhar de cada espectador estático na audiência. Eis um filme de impacto agora, mas que deverá render ainda mais depois de qualquer frenesi instantâneo. Afinal, por mais que sua história se passe em apenas um dia, seus efeitos começaram séculos atrás, e deverão repercutir muito mais adiante. Tanto entre os vivos, como em meio aos mortos.
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A dupla Michael B. Jordan e Ryan Coogler se tornou uma das mais sólidas dos últimos anos. Eles, até agora, não entregaram absolutamente nenhum filme ruim, por isso, eu estava com altas expectativas em relação a Sinners. Mas confesso que adotei um tratamento diferente para esse filme: eu sabia do que se tratava, porque havia lido algumas notícias, mas não assisti a nenhum trailer, nem li sinopse alguma. Fui ao cinema para ser pego de surpresa — e foi uma experiência positiva. Os irmãos gêmeos Smoke e Stack, ex-soldados e contrabandistas da Chicago de Capone, retornam à sua cidade natal, no Mississippi, com o objetivo de abrir um juke joint em um antigo moinho abandonado. No entanto, a inauguração do clube atrai a atenção de uma ameaça vampiresca, colocando os irmãos e a comunidade em perigo. Vou tirar o elefante da sala logo: o ponto que mais me incomodou no filme foi o comecinho. Os primeiros 15 minutos, para ser mais exato. Confesso que fiquei um pouco perdido — estava precisando de contexto. Todos os personagens já tratavam os irmãos como velhos conhecidos, mas nós, o público, não os conhecíamos, e eu queria saber mais sobre aquelas figuras. Os diálogos não estavam me apresentando quem eles eram. Demora um pouco para você captar as nuances dos gêmeos, entender as motivações deles naquele mundo. Se você estiver com um pouquinho de pressa, pode ser que o filme não te fisgue. Mas, a partir do momento em que as peças estão postas no tabuleiro, tudo funciona com muita aptidão. É um erro dizer que esse filme é um terror. Eu diria que, dos muitos gêneros que o compõem, o terror provavelmente é o de menor importância. Aqui temos suspense, sim, mas o que mais chama atenção é o drama histórico. O filme se passa em 1932, no Mississippi, uma região altamente racista, um dos berços da Ku Klux Klan, onde uma pessoa negra sofria dez vezes mais do que em qualquer outro lugar do país. Ali, ainda havia reminiscências muito fortes do período escravocrata — e o filme mostra isso. Os negros vão ao clube para se divertir, mas, ao mesmo tempo, não têm dinheiro para pagar por aquele momento, porque naquela época eles nem recebiam em dólar, mas em uma outra espécie de moeda sem valor real. Se você adentrar nos detalhes, verá que o filme não deixa você esquecer desse período horroroso, que muitos lembram com saudades. Mas, se pudermos definir um ponto alto da obra, sem sombra de dúvidas, é a música. Eu não sou o maior amante do blues, mas confesso que fiquei de boca aberta — seja nas canções, seja na trilha sonora excelente do Göransson. A música é um fator central, como é bem dito no próprio texto do filme: ela é a causa e a cura dos problemas da história. Então, se fosse uma trilha fraca, não funcionaria, mas como tudo ali é potente, ela funciona com perfeição. No campo das atuações, todo mundo manda muito bem. Michael B. Jordan dispensa elogios, você já consegue diferenciar os gêmeos e suas personalidades facilmente graças a construção apurado do ator. O restante também entrega ótimos desempenhos: Jack O'Connell está ótimo como vilão, Hailee Steinfeld também está muito bem, e a Wunmi Mosaku que eu não conhecia — mas que me impressionou com o talento — tem uma missão dificílima, já que ela é a figura encarregada de entender o que está acontecendo e explicar não só para os personagens como para nós, o público. Esse tipo de personagem geralmente corre o risco de se tornar chato, mas não foi o caso: ela deu um show. Sinners é, sem sombra de dúvidas, uma das melhores surpresas do ano até agora. A direção do Ryan Coogler, como sempre, é muito boa; o elenco é excelente; a história é bem calçada em momentos de extrema importância e que nós não devemos nunca esquecer. Tudo isso alinhado com um bom suspense, cenas de terror interessantes — nada que vá te matar de susto, mas bem executadas. A estética é belíssima, com uma fotografia forte e marcante. Enfim, foi um baita acerto. E tudo isso reforça um ponto, já bastante discutido na internet: A Marvel desperdiça o potencial de seus diretores. Tenho certeza de que um Ryan Coogler sem a coleira, sem o Kevin puxando a guia, poderia fazer muito mais pela franquia Pantera Negra do que tem feito até agora. E esse filme é uma bela prova de que sim — ele tem muito potencial, e talvez esteja apenas sendo mal direcionado.