Crítica
Leitores
Sinopse
Pai do Ano: Embora não seja pai de primeira viagem, Andy não sabe como reagir ao receber a notícia de que terá que cuidar sozinho dos filhos pequenos enquanto sua esposa está em um programa de reabilitação. Sem pensar duas vezes, Andy recorre a Grace, fruto do seu primeiro casamento, para ajudá-lo. Comédia/Drama.
Crítica
Filha dos cineastas Nancy Meyers e Charles Shyer – indicados ao Oscar pelo roteiro de A Recruta Benjamin (1980) e responsáveis por títulos populares como O Pai da Noiva (1991) e Alguém Tem que Ceder (2003) – a jovem diretora Hallie Meyers-Shyer parece ter aproveitado bem os contatos e as portas que seus pais lhe abriram em Hollywood. Em apenas seu segundo longa, já pode dizer que comandou Reese Witherspoon como protagonista de De Volta para Casa (2017) e, agora, ninguém menos que Michael Keaton em Pai do Ano. E se há algo que caracteriza o cinema de seus genitores é justamente a construção de universos onde o final feliz parece sempre possível, independentemente das adversidades. Hallie, ao que tudo indica, não demonstra grande vontade de subverter essa fórmula – apenas de reproduzi-la com leve toque de atualidade, embalando-a em cores quentes e em melodias suaves de superação.

Aqui, Keaton é Andy Goodrich, dono de conceituada galeria de arte em Los Angeles que, logo nos primeiros minutos de projeção, descobre que a esposa se internou por vontade própria em uma clínica de reabilitação, após admitir o vício em medicamentos. Mesmo veterano, é pai de duas crianças na faixa dos sete aos dez anos, que ele mal vê por estar constantemente imerso no trabalho. Agora, com a ausência da mulher, será obrigado a assumir responsabilidades domésticas e afetivas que há muito negligenciava. Para tanto, contará com a ajuda de Grace (Mila Kunis), filha de um primeiro casamento, com quem também manteve relação marcada pela distância e pelo descuido emocional. A redescoberta desses laços é o motor da trama – ainda que a engrenagem pareça girar em piloto automático.
A jornada apresentada está longe de ser algo inédito. O cinema norte-americano parece ter predileção quase infinita por narrativas de redenção masculina, especialmente aquelas que colocam pais ausentes diante da necessidade de amadurecer. Todas as fórmulas estão aqui, seguidas à risca: o homem que não sabe montar uma lancheira, que se atrapalha na rotina escolar, que desconhece os hábitos dos próprios filhos e precisa aprender lições básicas de convivência. Contudo, o diferencial – ou a curiosidade – no roteiro de Meyers-Shyer é aplicar esse molde a um personagem de 74 anos, vivido por ator que já interpretou figuras marcadas pela introspecção, pela ironia e até pela excentricidade. A questão é se o público está disposto a acreditar em mais uma “história de transformação tardia”.

Andy é um erudito, homem que cita Basquiat, veste a filha de Frida Kahlo no Halloween e conquista novos clientes mencionando artistas e referências que evocam glamour intelectual. Trata-se de alguém sofisticado, habituado a círculos privilegiados, com cultura refinada e capital simbólico abundante. Seu maior problema, inclusive, é precisar mudar de endereço por conta do aumento do aluguel de sua galeria. É esse mesmo homem, cercado de livros e obras de arte, que não compreende o básico da paternidade? Ou que sequer tenta reconciliação sensível com a filha adulta? O contraste entre o conhecimento estético e a imaturidade emocional soa forçado, quase como artifício para gerar empatia onde falta substância.
Nas entrelinhas, há ainda espaço para um desserviço à comunidade LGBTQIAPN+. Ao conhecer Pete (Danny Deferrari), pai de uma colega de escola de sua filha, Andy passa a trocar experiências com ele, mas o personagem é tratado como alívio cômico, limitado a situações constrangedoras. Em uma das cenas, uma circunstância íntima gera desconforto em Andy, que se pergunta: “eu pareço gay?”. O momento, que poderia suscitar reflexão madura sobre masculinidade e preconceito, recai no estereótipo, reduzindo a diversidade a mero gatilho para piadas embaraçosas. Tal escolha narrativa evidencia a falta de sensibilidade da diretora para lidar com temas que exigem nuance e contemporaneidade.

Infelizmente, mesmo com o carisma natural de Keaton e o empenho visível de Mila Kunis, Hallie Meyers-Shyer não demonstra interesse em provocar discussão. Seu cinema é ancorado em um idealismo colorido, onde os problemas se resolvem com gestos de ternura e trilhas sonoras reconfortantes. Pai do Ano avança como carruagem de contos de fadas: lenta, previsível e sem abalos. O resultado é retrato otimista de homem rico e bem-intencionado que redescobre a família, uma fantasia moral que parece deslocada em pleno 2025, quando o público já espera algo mais do que conforto e nostalgia.
Últimos artigos deVictor Hugo Furtado (Ver Tudo)
- Balada de Um Jogador - 30 de outubro de 2025
- Bom Menino - 30 de outubro de 2025
- De Nápoles a Nova York - 29 de outubro de 2025

Deixe um comentário