Crítica

Vamos lá matar alguns mortos”. A frase, que a princípio parece não fazer sentido, não só é proferida em um momento climático de Os Vigias Noturnos, como também estampa o pôster da produção, logo após o nome. Porém, se o chamariz é intrigante o suficiente para prender a atenção do espectador mais desavisado, bastam alguns minutos em cena para que tudo comece – ou não – a fazer sentido. Afinal, estamos diante de mais um filme de zumbis, ou melhor, vampiros. Ou, como um dos personagens chega a declarar, “zumpiros”. E se isso soa absurdo demais, é bom se preparar pois este é o tom da história, uma aventura claustrofóbica que aposta mais no riso do que no susto. Ou seja, um legítimo “terrir”, com tudo de bom e ruim que o gênero implica.

Uma série de reportagens de televisão e manchetes de jornais tratam logo de explicar que o palhaço Bimbo (Gary Peebles, dublê de Velozes e Furiosos 8, 2017) e sua trupe foram mortos por um estranho vírus durante uma turnê pela Romênia. Bom, não precisa ser muito fã do tema para saber que é lá onde fica a Transilvânia, ou seja, terra dos vampiros. Já na cidade natal dos coitados, Baltimore, um jovem (Max Gray Wilbur, visto na série How To Get Away With Murder, 2014-) acaba de passar por uma sessão de bullying para ser contratado como o novo guarda noturno de uma redação de um tabloide decadente. Ao lado de Ken (Ken Arnold, de Homens de Preto 3, 2012), Jiggetts (Kevin Jiggetts, de Um Homem Entre Gigantes, 2015) e Luca (Dan DeLuca, de A Vida Íntima de Pippa Lee, 2009), os quatro se preparam para passarem as noites “jogando cartas, comendo rosquinhas e chupando um o pau do outro” – nas palavras deles próprios. O que não esperavam, evidentemente, é que dois entregadores aparecessem por lá com um caixão e ainda deixassem o defunto sob o cuidado deles, mesmo após descobrirem se tratar do endereço errado.

Bom, sem estender muito o mistério – até porque o filme não faz questão nenhuma disso – o chefe do Baltimore Gazette (James Remar, de Homens de Coragem, 2016) resolve investigar quem é o morto – primeiro, em busca de uma eventual joia que possa ser roubada do corpo e, depois, ao descobrir que é ninguém menos do que Bimbo, de alguma relíquia do artista que possa ser afanada e vendida na internet. No entanto, como qualquer um na audiência já está esperando, basta abrir o esquife para que a sangueira se inicie. Bimbo irá levantar com uma incrível sede de morte, e passará a assassinar qualquer um que cruze seu caminho, fazendo destes novos sanguessugas o seu exército. Sem falar, é claro, dos outros mortos de sua antiga trupe, que em seguida irão se juntar a eles, espalhando caos e violência por toda a cidade.

Mas e os jornalistas do semanário, preocupados apenas com o serão que terão pela frente para fecharem a próxima edição? Estes começam a cair como moscas. Não, é claro, sem antes darem algumas revelações preciosas, como a repórter sedutora (Kara Luiz, que também estava no filme anterior do diretor, Manual de Snuff para Principiantes, 2016) que se desespera quando sua colega insossa é morta – mas não pela perda da amiga, e sim por esta ser sua namorada – ou pelo vigia que se recusa a acreditar estar enfrentando vampiros (“eles não são belos, brilhantes e sedutores?”). Mas se o humor parece ser o guia do diretor Mitchell Altieri (que costumava assinar como The Butcher Brothers, ao lado do amigo Phil Flores, filmes como Anjos da Morte, 2006, e Dia da Mentira, 2008), entre piadas e mortes caricaturais o que se percebe é algo que deverá agradar mesmo apenas os já iniciados.

Pois este é o tom dissonante da narrativa de Os Vigias Noturnos: parece uma brincadeira entre amigos, e apenas estes, conhecedores de antemão dos signos comuns ao estilo, que deverão achar alguma graça no que é visto em cena. A repetição de alguns recursos – como, por exemplo, cada vez que um vampiro é morto, ele em seguida peida, quase matando os sobreviventes com o fedor (“eu vi todas as temporadas de True Blood e isso nunca aconteceu”, declara a garota) – acaba dissolvendo qualquer riso inesperado, tornando o processo comum de “quem será que vai sobreviver até o final?” pouco envolvente e sem maiores segredos. Até mesmo a figura icônica do palhaço assassino é pouco aproveitada, ressurgindo somente para o desenlace final (que se dará do mesmo jeito que em qualquer outra trama vampiresca, sem acrescentar nada de novo). E assim, até se é possível um ou outro sorriso simpático pelo desprendimento do projeto, mas nada duradouro e com muito menos força do que um conjunto como esse – Imprensa selvagem! Vigilantes incompetentes! Palhaços vampiros zumbis! – poderia resultar. Muito barulho por nada, enfim.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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